BALADA DO ANJO GABRIEL

1

Os homens recolhem

sombras

na noite

há uma grande festa suicida

onde esqueletos bêbados

dançam esquálidos

e saúdam o holocausto

em grandes doses de sarcasmo.

Anjos violentados

esvaem-se em sangue

impuro

e roçam suas asas

frementes

na dura pedra

tumular

onde está gravado: NUNCA...

A manhã recolhe

nossos corpos

úmidos

e as migalhas sujas

da nossa sórdida miséria

então

nus

contemplamos o Sempre

sabendo que somos

apenas vento

desfeito num momento

de esquecimento.

2

Pelos corredores

da ampla casa

corpos se arrastam

em desgraça

deixando um rastro

de veneno e fumaça

consumação da sua miséria

e lágrimas amargas

como paga

sob chamas de incenso

carne dilacerada

em essência pela consciência do seu erro.

A vida é

a dura lucidez

do fim

o amor

murchou

como os nenúfares

num pântano de dor

pálidas ninféias

que se desmilingüem

como virgens

em longos suspiros

de amém

sem hímen.

A noite é infinita

nosso templo é o jardim

oremos ao caos

porque grave é o momento

de morte

que surge das entranhas da fera

de leite amargo e cáustico

que sorvemos

extáticos

como dóceis discípulos do mal.

3

A vida nos arrebata

e sangramos nossa matéria

que se desfaz

frágil

sobre urzes queimadas

e bebemos o mel

e o mal

que escorrem das tetas das

medusas.

O estante se dilata

e os relógios

todos

assinalam a hora exata

em que os mortos

desfilarão

soberbos

exibindo nossa derrota

e nossos ossos

em cinzas

bailarão feito átomos

no espaço abortado.

Eu tive a Visão

do anjo Gabriel

à meia-noite em ponto

absorto

vestindo um sobretudo

negro

ele me batizou

e eu saí por aí

torvo

a cantar baladas de um vivo-morto.

4

É por isso que amo

as meias-noites

e seus crimes nos becos

seus guetos seus gritos

seus gatos pretos

seus tiros

seus súditos seus trapos

e noturnamente peço

piedade Pai

pois não sabemos quem somos

nem o que fazemos...

Chega uma hora

em que as mãos frágeis

não sustentam mais

a face pálida

e os olhos

perdidos em visões erráticas

não distinguem

um palmo adiante

chega uma hora

em que acertar

não é mais possível

e a vida torna-se um intolerável

jogo de azar

que perdemos

por não sabermos jogar.

Então eu peço

paz

Pai

à humanidade

e mais

uma dose do mal

para aplacar nossa alma

mergulhada

nos escombros do caos

e dar alívio aos pecadores

longas hostes

de asas quebradas

arrastando-se pela

eternidade incendiada...

Eu tive a Visão

do anjo Gabriel

à meia-noite em ponto

absorto

vestindo um sobretudo

negro

ele me batizou

e eu saí por aí

torvo

a cantar baladas de um vivo-morto.

Vagner Rossi

Vagner Rossi
Enviado por Vagner Rossi em 28/07/2009
Código do texto: T1724005
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