Ousadia
Como ousas?
Assim, diretamente
Sem qualquer explicação
Fazer-te tão presente
Invadindo pensamentos
Criando-te em poesia
Sem introdução ou conclusão
E a interminável estrofe
que espiraliza sentimentos
turva-os sem conexão,
sem licença,
sem perdão.
Como ousas?
Quebrar dessa forma minha
mais resistente armadura
reflexo de falsa convicção
Meu mais poderoso escudo
e única proteção,
que me separa do teu mundo
(e me põe acima do chão)
de sentimentos fracos,
tolos,
suscetíveis,
opacos.
Como ousas, criatura?
Partir ao meio minha certeza
Enfeitiçar-me com tua luxúria,
(resquício de falsa nobreza)
Entorpecer-me com fúria,
pôr a prova minha frieza
Apresentar-te como pintura,
cegar-me com tua beleza
banhar-me com luz obscura
afogar-me em tua impureza
tornar-me anjo caído,
reles ser seduzido,
indigno,
desprezível
envaidecido.
Como ousaste?
Molestar minha alma quieta,
Ferir-me com teu encanto
e tua lisonja imodesta
Orgulhar-te, vil, de meu pranto
e da malícia a qual me testa
Fazer de meu peito tua festa
Fazer de minha alma nefasta
Devolva-me! Aniquila-me!
Dê-me minha cúpula casta,
Dilacere minha carne, pois esta
não mais é carne, é profana
e confusa e imunda e insana
que ousastes, sem permissão,
manchar sem introdução,
findar sem conclusão.