Descalço

Nos jornais, há palavras confusas.

São novelas, famílias em drama.

Nos discursos, desculpas escusas,

homens públicos, pérfidas tramas

Acidez vem nas gotas da chuva,

manchas de óleo no meio do mar,

mãe solteira que fica viúva.

E nos céus? Tempestade solar...

Nas janelas, há vidros blindados;

no meu bairro, vizinhos hostis,

cães de guardas, arames farpados.

Já perdi os amigos que fiz.

Sinto odores, respiro fumaça.

Sangra meu coração, cambaleio.

Sinto as dores da vida sem graça.

Num espelho, a face do feio.

Não sou louco! Alguém me vigia,

me persegue, me filma, me espreita.

Sou normal, minha mente vazia,

e mantenho a rotina insuspeita.

Já me sinto sem pele nem osso.

Faço um palco do meu cadafalso,

pois me deram um nó no pescoço.

Dou espasmos e morro descalço.