A ESMERALDA FADA DE LÁBIOS AMARGOS

Libo o sabor da tristeza, com suas notas marinhas.
Libo o sabor do meu humor, com suas notas cítricas.
Libo o sabor da solidão, com suas notas de absinto
– tudo que me restou foram doses de absinto!
 
Destilaste apenas o fel da artemísia planta,
E da deusa não foste capaz de destilar a pureza!
Com a lunar deusa não aprendeste
Esta maravilhosa magia da natureza!
 
E não aprendeste a refletir o Sol
– como a casta deusa ao seu irmão –
No arcano da noite, guiando e iluminando
Os misteriosos caminhos do coração!
 
Não aprendeste
A encantar como a luz do luar
– nem mesmo a inspirar o canto!
Não aprendeste a seduzir
Com as prateadas joias
Das noites luminárias,
E do glitter das estrelas
Dependes para maquiar
Uma sombra de sedução,
Maquiando a falsidade
– exagerando, borrando-se –
Para conquistar o coração,
Que fatalmente mergulhaste
Na noite mais escura, em doce ilusão!
 
Apenas usas as estrelas,
Mas delas nada sabes!
Desconheces a trama
Em que Órion se põe
E em perseguição eterna
Escorpião nasce;
E desse famoso drama
Dos deuses e das constelações,
Tu – certamente – nada sabes!
 
Nada aprendeste
Com a irmã gêmea do Sol,
A deusa da lira de prata!
Desviaste-te e às infames artes
Da poderosa Circe te entregaste!
 
Como dedicada aprendiz,
Com feitiçarias mantiveste
Cativo meu coração,
E agora me ofereces a losna
De teu desprezo e ingratidão,
Para ao aborto criminosamente
Induzir meu coração?
Por que mereço
Tão cruel e vil poção?
 
Não satisfeita,
Destilaste a poção
Para melhor apresentação,
Para me lograr e me amargar
– para tua egocêntrica diversão!
 
E em companhia de Circe
Sob a luz da plena Lua,
Mandrágora acrescentaste
À mágica poção
Com tanta perícia,
Facilidade e propriedade,
Que o odor fétido não se percebia,
E da antropomórfica raiz
Mortais gritos não se ouvia!
 
Com teus sortilégios,
Para a Fada Verde invocar,
Deste início ao belo Ritual do Fogo,
A fim de me enfeitiçar, envolver e fascinar!
 
Vi-te gotejando como láudano,
Lenta e sadicamente sobre meus sonhos
Cristalizados como açúcar,
Dissolvendo-os gota após gota
Com teu letífico veneno!
 
Vi-te inflamando com furor
O doce e alvo torrão
Para meus sonhos evaporar,
Porém de forma inesperada
E bela os vi desmoronar!
 
Com teu veneno, vi meus sonhos
Em alucinação convertidos,
E alucinado, assisti maravilhado
Aos meus sonhos dissolvidos
Se precipitarem qual granizo
Na amarga e esmeralda bebida!
 
Vi-te a tombar meus sonhos
Dissolvidos em cristal cascata,
Como grãos de areia dançando
Em redemoinhos de absinto;
E tudo ficou turvo,
Transbordado, incandescente...
 
Ainda alucinado,
Os belos fogos vi,
E como um imprudente infante,
O enorme perigo não percebi!
 
Enlouquecido,
Bebi meus sonhos envenenados,
Agora amargados e queimados,
Tendo como companheira
A sedutora e verde fada!
 
Por seu perfume: inebriado!
Pelas luxuriantes curvas
De sua nudez: seduzido!
Pela suavidade de sua voz: levado;
E com ela viajei por reinos encantados
E idílicos paraísos perdidos!
 
Senti-me feliz outra vez;
Senti-me triunfante;
Senti-me vitorioso
Pela reconquista do amor,
Mas como os antigos romanos,
O gosto absinto me lembrou
Do lado amargo e divino de Victoria;
E pensando nisso,
Recordei-me do fel da solidão:
Do transe psicodélico
Inevitavelmente despertei!
 
Tenho a Fada Verde à minha frente,
Com olhos de esmeralda reluzente,
Frenética no bater de asas arco-íris,
Como um livro aberto de feitiços
– um Livro das Sombras!
 
E como um dragão de mil olhos,
Sai planando e rodeando,
Posando sobre meu ombro
Como exótica libélula
Em lago puro e cristalino,
Então me dou conta
Que tudo não passava
De ilusão da verde fada!
 
Talvez de inspiração
Poética me servisse,
Como aos grandes artistas
Da Belle Époque,
Mas a muitos deles
A fada roubou a alma,
E temo que me dilua em seu beijo
Entorpecente e amargo;
Temo perder-me na embriaguez
De seu fascinante delírio
Como a Verlaine e Van Gogh,
Enlouquecendo em horrendo vício!
 
Não devo me viciar
No absinto da tristeza;
Não devo me enamorar
Da perigosa Fada Verde!
 
Devo me livrar
Do meu vício em láudano;
Devo me livrar
Desse amargo veneno!
 
Tu, ao ver-me
Violenta e ruidosamente
Partir a Fada Verde
Como esmeralda em mil pedaços,
Tingindo com seu sangue
O mármore de translúcido verde;
Em Beladona te convertes,
Em um último feitiço
Para com a minha razão
Sadicamente divertir-se!
 
A pupila enigmática
E romanticamente dilatada
Para com o olhar encantar!
 
Os lábios entreabertos
E a ponta da língua a percorrer
Os pontiagudos caninos!
 
Sinuosa à luz de velas
– bruxuleante e bela –
Se aproxima perigosamente,
Sussurrando encantos em meus ouvidos,
Queimando com o hálito quente,
Entorpecendo-me os sentidos
Para minha alma voltar a sugar
À guisa de terrível Vrykolaka!
 
Em um átimo me desvencilho
Com o peito compungido!
Com o ânimo recobrando,
As maçãs corando,
Resoluto, firme e decidido,
Liberto-me de todo o mal,
Liberto-me desse vício:
Vício de sofrer, vício de amar,
Vício de sonhar em meio a beijos
E com um gosto amargo no final, acordar!
 
Não mais me ludibrias,
Não mais me confundes,
Não mais confundirei
A Beladona com a Amarílis
– é comum que se confunda!
 
A Beladona pode
Desabrochar em bela mulher,
E pode ser a bela dona
Do coração que lhe aprouver,
Mas é entorpecente e viciosa,
E só à ruína o levaria
– uma fêmea bela e ardilosa,
mas o incauto não o saberia!
 
A Amarílis é verdadeira
E pura amabilidade!
Também pode desabrochar
Em bela mulher
E ser a bela dona
Do coração que lhe aprouver,
Mas o purificando e perfumando
Com o doce aroma da sinceridade!
Ditoso do varão que pode desfrutar
De suas virtudes e de sua bondade!
 
Afasta-te Beladona!
Em busca da Amarílis devo rumar,
A verdadeira bela mulher
– quiçá minha verdadeira bela dona –
A quem devo amar!
 
Ela cresce nas montanhas
Da América do Sul
E lá é a Imperatriz das flores
– não se trata da espécie
que brota no Peru!
 
Mas seria em vão tal jornada
Se no solo vasto e fértil
Do coração de minha alvorada
Não tivesse sido cultivada!
 
Por muito tempo a vi ali,
Plantada, sem vida,
E como morta a senti.
Porém, apenas adormecida
Em realidade se encontrava,
E novamente passou a florescer,
– faz parte de sua natureza –
Trazendo vida novamente
A um peito cansado de sofrer!
 
Talvez decore
Com flores de Amarílis
O funeral da Beladona
– ao sepultá-la em meu coração,
com objetos apotropaicos
adornarei a eterna sepultura,
para que jamais tente
dos mortos regressar
como tétrica figura,
e à minha vida retornar!
 
Suas poções mantiveram-me
Enfeitiçado e envenenado,
Cativo e escravizado
Em tormentoso vício!
Libertar-me-ei de tudo isso
– em reabilitação encontro-me!
 
Do amargor nada mais quero:
Nem entorpecentes, nem veneno
– afasta-te Beladona
com a afluência atropina de teus lábios!
 
Busco apenas a doçura
Da ternura e do amor,
Da paz e da cordura,
Do mais singelo pudor!
 
Em meio ao meu apocalipse particular,
Onde toda a farsa de amor
Passa a se revelar,
Rumo em direção oposta,
Onde tudo é velado!
 
Chegando à ilha de Ogígia,
À Calipso confio,
Na gruta mais profunda,
Os arcanos do meu coração,
Ocultando o segredo
Do nome da bela dona
De alva e sedosa cútis,
Reluzente, ataviada
Com gemas magníficas
E adornos de ouro e prata!
 
Sua relva, seus cabelos
E seus olhos são tão negros
Como a noite mais profunda
– noite de mistérios, encanto e magia!
 
Como devota da casta Ártemis
– quiçá uma de suas ninfas –
Irradia esplendores lunares
Que ofuscam para a caça flechar,
Que com o coração atravessado
Pela luzidia prata lunar,
Cativo se deleita e encanta
Com o doce e belo canto,
E com a lira de prata a dedilhar!
 
Essa bela dona de rara pureza,
Essa bela flor de rara beleza,
Ao porvir talvez pertença,
E agora apenas me atrevo
A chamá-la por Amarílis,
A Flor da Imperatriz das alturas
Que todo o amor inspira!
Floris regina amabilis!

 
Julia Lopez

21/11/2012


Nota sobre a foto: "Natureza Morta com Absinto”, de Vincent Van Gogh (1887).



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Julia Lopez
Enviado por Julia Lopez em 14/03/2013
Reeditado em 11/01/2024
Código do texto: T4187353
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