Era uma vez, um amor...

Eu tinha meu corpo molhado

Ofegante, cansado de tanto amar

Eu via nas entrelinhas

As confissões mais apaixonadas

Que alguém possa interpretar

Eu enxergava em qualquer gesto

Uma pista, uma insinuação,

Uma deixa para o meu coração

Eu vivia como em choque

Num estado de pura expectativa

Com todos os meus sensores ligados

Esperando um mínimo de confirmação

Era uma angústia louca

Um aguardar que poucas vezes senti

Eu achava que sabia

Que esta certeza eu sempre teria

Que não haveria outro tempo

Que o momento era tudo

Que riscos não existiam

Risco do que, se sempre saberia

Que a correspondência jamais cessaria?

Meu universo era povoado

Unicamente pelos planos de sua presença

Estar junto era como estar no céu

Tal que chegava só admitir ser melhor

Porque sabia que, lá, esse amor não doía

Vivia envolto numa nuvem macia

Massageando-me o ego

Cercado e sendo guiado por esse amor cego

Desgovernado, cadente em um vazio quente

Onde jamais pararia...

As imagens do entorno eram difusas

E o foco, embora me parecesse nítido,

Agora eu sei, também o era

Não percebi os sinais de advertência

Em minha loucura, só notava as aparências

E os entulhos foram se acumulando

Mesmo assim eu disfarçava

Enganando a mim, protelando

Dando uma chance para o impossível

E o sentimento tomou forma de armadilha

E a apreensão da saudade

Transformou-se em insanidade

Transtorno, desespero, ausência permanente

E as reações físicas e de comportamento

Revelavam a tristeza de quem perdeu um pedaço de si

E o tempo... Mais uma vez o lento e arrastado tempo...

Lambeu as feridas

No início, doídas, depois apenas machucadas

Hoje são marcas da vida...