A covarde arte poética
Sim, eu sei...
É covardia ter poesia
Na alma
Ter a calma verbal na dor
Do viver
E vez por outra enlouquecer,
Calado
Tornar alado o encanto
Desgastado
Fazer de conta a verdade
Em conta-gotas,
A afronta em cristais
De açúcar
Desmaiar na lucidez gramatical,
Na métrica
Febricitar em devaneios áureos
De estética
Frenética e ardente a palavra
Corre
Decorre da vida em dois
Mundos,
Desbota, capota, mas...
Sobrevive
Sim, eu sei...
É covardia ter poesia
Na alma
Ter a palma da mão estendida
Ao verso,
E vez por outra em tom perverso,
Declamar
Volitar sobre o absurdo,
Blasfemar,
Santificando as maldições,
Maldizeres,
Ateando fogo aos alqueires
Ortográficos
Levitar ao insulto
Das tramas
Conceder indulto ao furor
Das chamas
Ácida e cáustica a palavra
Efervesce
Desce aos infernos
Do imaginário,
Entristece, convalesce, mas...
Purifica
Sim, eu sei...
É covardia ter poesia
Na alma
Ter o carma da escrita
Em punho
E o testemunho das noites
Em claro
Tão quão raro faz-se o
Descanso,
Passa a correnteza morna
Do pranto,
Estendendo seu manto
Salobro
Pelas várzeas do peito
Alagadiço
Rumo ao despedaçado maciço
Carmim.
Sufocada e leda a palavra
Vaga
Trilha a estrada
Dos retirantes
Peregrina, alucina, mas...
Prossegue
Sim, eu sei...
É covardia ter poesia
Na alma
Ter a galhardia como arma
De arrimo
E a primazia do entalhe
Artesanal
Contra o mal que se aproxime,
O sorriso
Fingindo o medo de amar,
Teorizo,
Que dores não são amores,
Delírios,
Que Dolores não são Alaores,
Onírios
Estranho ofício o de mártir,
Carregamos
Acuada e presa a palavra
Estanca
Manca no cárcere dos próprios
Lamentos
Renuncia, silencia, mas...
Fenece