Vida normal

Resolvi voltar a ser doce.

Não vou mais ler Hilda e serei a suportável.

Decidi voltar a ser sã.

Ao invés dos meus contos paupérrimos e dos meus poemas ridículos, vou me inspirar nas parábolas bíblicas, casar-me com um moço honesto, entrar numa academia, ir ao salão aos sábados e assistir tevê comendo pipoca ignorando a chuva.

Ahhhhhh vida normal! É tão bom tê-la concebido!

Vou à missa aos domingos, usando salto e vestido.

Balzaquiana sorridente, escondendo as tatuagens, vou agir à brasileira, não percebendo a arte.

Maquiagens vou comprar e de amor quero sonhar apenas com as fotonovelas e os livros da Sabrina que vou comprar na banquinha da esquina.

Almoço familiar, encontro com amigas... Vamos falar de coerências tomando suco de maracujá, usando muitas reticências, trocando receitas de manjá.

Com uma vida perfeitinha, votarei nas eleições nos partidos de direita. E a partir de agora farei promessa: não comerei carne na Quaresma e participarei de palestras pra controlar a bioenergética.

Acordei num sobressalto, com sensação de pesadelo.

Passei a mão pelo cabelo (estava desgrenhado).

Minha cama era só minha e na cabeceira meu livrinho da Hilda.

Acendi a luminária, puxei o camisão pra ver minhas mandalas.

A chuva caía lá fora impossível de ser ignorada.

Ufa! Foi um sonho! Bom até para mim!

Mas infelizmente não posso aceitar as regras vegetativas.

Sou de coração pulsante.

Não vejo mais as coisas como antes.

E nem sempre o que é bom serve para mim.

Fabíola Colares
Enviado por Fabíola Colares em 05/08/2014
Código do texto: T4910650
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