neste horto

entre eu e tu há esta barreira intransponível

que se ergue todos os dias entre o mar das nossas

lágrimas e o sol do desejo por cumprir.

entre os homens que procuram a visão do amor

caminho cego sem me ver e vejo os dias

que se erguem vergados à rigidez do tempo e

dos meteoros que cortam austeros

os caminhos por percorrer.

a linha do horizonte perde-se naquela lâmina

de vida onde o limbo da morte despenteia

a face dos homens que espreitam

o palco nocturno da cidade.

e eu adormeço antes que os olhos me ardam

da cegueira dorida do longe e do ausente.

vês?

atormenta-me este sono por dormir

no coração dos cegos.

o lamento da alba acorda este horto de incêndios e

de loucura no mistério da luz que me fustiga

os olhos numa alegria maligna de querer e

não conseguir possuir.

a manhã cai-me no coração desolado

no instante em que a toutinegra canta

a tristeza do rosto que me queima a vida

com a morte próxima do coração inquieto.

ouve-me...

se logo a noite chegar como hoje cheia de luzes

ilegíveis e de cor a cobrir a terra como o véu

da noiva, rejeito-a - rejeito viver nela porque

eu preciso da noite coberta da solidão e

da dor como um véu negro para poder estilhaçar

aquilo que penso e já não sei escrever.

ouve-me,

noutros tempos eu sabia escrever o amor

mesmo que ele viesse dar-me de beber a cicuta

que o filósofo bebeu de vontade.

cairia, depois de a beber, no precipício mas

sabia que a beleza do teu corpo que amei

me fazia morrer feliz.

hoje, avanço para a barca de Caronte e

caminho com ela na noite escura vergado

ao zumbido dos ventos e ao uivar dos lobos que

cantam a sonoridade dum além sem regresso.

depois,

deixo-me afogar nas cinzas das águas do mar

antes que os olhos me ceguem no fundo

do longe e da ausência.

________

© Alvaro Giesta in "muralha inquieta" (direitosreservados)

publicado em https://www.facebook.com/notes/936951986324628/?pnref=story