Carrasco

Hoje o dia acordou severo queimando a frio e a ferro meu solo, minha pele, essa terra que já quase nada dar. O dia hoje é daqueles que a gente arregala os olhos pra fora de si, mas não quer sair. Daqueles que mesmo antes de chegar já é de causar espanto e dor.

Aqui na caatinga, de poeira, calor e suor que escorre na carne do lavrador, o coração é a terra que ainda pulsa embora se lerdeando, que se arrasta feito guerreiro ferido em luta. É o filho ilegítimo de quem se nega a parte devida em parte por ser criar de puta.

Abrigas-me em teu colo árido, agreste indomável feito do pó que voa e do chão rachado que nem os meus pés. A esperança aqui tem mais valor que a própria água que sempre é tardia; contudo, embora tardia, seja as gotículas o que traga a esperança tardia para meu coração que agoniza.

Chão rachado qual pele da gente daqui, são rugas que na carne do homem e da mulher nordestinos marcam caminhos trilhados pelo tempo, calor e fadiga, algozes do seu destino. Mas ainda há esperança! Pois quando a noite cai, por entre telha quebrada vem essa lua de prata me tirar o desatino.

Nessa noite enluarada e chão salpicado de estrelas, vem Severino contador, contar nossos paços inventados, onde o horizonte é o sonho que não morre e a esperança o sono que não acaba. Senta-se no chão amigo de quem também é parte e conta, retrata tudo em lorota fazendo rir o rosto que chora.

Nesse lúdico passageiro o tempo passa ligeiro, por entre o riso e desespero de quem nada tem para comer. A garotada correndo na rua agora alumiada é tudo igual, pedaço do mesmo velho e carrasco chão, sem cores, sem moda vestidos de gibão, mas quem sabe um dia tudo isso mude e cale o pranto desse coração.