UM DIAMANTE NA SOLA DO SAPATO

Diante dos meus olhos,
a riqueza dos outros.
Esse desejo: um furto.
Vou com meus trapos
pelas ruas
e desço a ladeira.
Acima de mim,
o inclemente olhar de Deus.
Meu nome se confunde
com o palavrão que alguém
no calor da fúria
grita.
Sou Zé, ou Tião, ou João,
sou alguém.
Esmagado pelo outro,
pareço ninguém.
Querem que eu cante um rap,
mas meu pensamento recorda
uma cantiga de ninar.

A riqueza dos outros,
a comida dos outros,
a bebida dos outros,
o prazer dos outros:
vários e furiosos furtos.
O que é isso em minha mão?
Um revólver,
uma faca,
uma pedra.
O que é isso em meus olhos?
A vergonha
que me ensinaram a ter.

O mundo não é justo:
jamais encontrarei
um diamante na sola do sapato.