INÚTEIS PEÇAS

Por favor, não diga nada,

pois a dor que me consome agora

é bem menor do que a que há de vir

quando fores embora

após o possuir...

Pense! De que adianta o ato

se o fato é que não podes ficar aqui.

Sobrará apenas o espectro ingrato

da saudade a me sangrar o peito, a me ferir...

O que mais podes deixar, senão lacunas

e lembranças plenas de ternura e de paixão

que virão às vezes como móveis dunas

ao sabor da viração.

Esse teus olhos de mar, os teus cabelos,

esse teu sorriso lindo

ou teu chorar, talvez,

teu corpo moreno, tua alma...

Não! não poderei retê-los.

Por tudo isso, possuir-te agora,

quando estás quase partindo

seria, no mínimo, plena insensatez...

Sendo assim, vai de uma vez.

Vai, por favor, atravessa a noite

e não volta nunca mais.

É preferível lamentar o não ter possuído

que suportar o coração dilacerado pelo açoite

das lembranças do “possuir” e ter perdido...

Lacunas, vazio, espaço-tempo, sonhos,

olhos, cabelos, sorriso, corpo, promessas...

saudades tuas já inundam a minha alma,

repositório onde deponho

os meus fracassos e lembranças,

que doravante serão apenas inúteis peças...

Bragança, abril de 1967