Pássaro Protervo
Baseado no poema “O Corvo” de Edgar Allan Poe.
Certa feita, eu filosofava, às altas horas da noite fria e sombria,
A refletir sobre situações de outrora em cativantes manuais,
E, fatigado, sonolento, ouvi um barulho em um momento,
Como se quisessem adentrar o meu apartamento...
“Quem será”, perguntei quase sem ar, “que tenta entrar, devagar?”
“Ah! Apenas ilusão e nada mais”.
Sim, vivamente eu o recordo! Foi no terrível junho
e a luz, branca, mesclava-se à escuridão do corredor,
pareciam-me espectros de horror. Giravam em doidas espirais!
Almejava pôr um fim a minha dor, em vão, a estudar, buscava assim
algum lenitivo ao meu espírito lancinante de saudade de Lady Sunflower...
Era apenas uma distração e nada mais.
A seda branca da cortina balançava, triste, à socapa,
atemorizando-me e provocando-me pensamentos sem iguais.
Arfante, em terrível arritmia, meu coração forte batia
e para acalmá-lo eu dizia: “Foi um barulho, fique tranqüilo!
Talvez, tenha sido o vizinho ou quem sabe o vento...
Sim, apenas isso e nada mais”.
Levantei-me, então, mais calmo enfim, sem titubear, prossegui:
“Quem será, quem será?” inquiri a brincar, tentava me apaziguar.
Decidi um copo d´água tomar a fim de relaxar.
Eis que escuto novamente o estranho arranhado à porta, demente;
olhei no olho mágico e nada vi, abri a porta e só percebi:
Escuridão e nada mais.
À escuridão augúria, tranqüila, fria e inóspita,
pensamentos escabrosos que jamais ninguém teve iguais.
Estupefato, receoso, com a porta aberta, a escuridão sem fim, fechei-a
Somente um nome eu pronunciava bem baixinho (para acalmar meu temor) e
foi: Lady Sunflower...
E, com a porta fechada enfim, ouvi um sussurro do outro lado: “Lady Sunflower...”
Depois, silêncio e nada mais.
Febril e pálido, eu fui para o quarto e, novamente,
mais estrondoso o ruído começou, agora nas janelas.
“Vai chover”, penso então. “Por que ficar nessa aflição?
Fique calmo! É apenas a chuva que se aproxima”.
E o vento canta à surdina. “É isso! Um ridículo temor.
O vento e nada mais”.
Com o mefistofélico barulho, corro para janela, abro para ver o que era:
- É um pássaro negro, de tamanho sem igual, certamente oriundo de uma região infernal.
Soberbo, ele adentra o meu quarto, ignorando meu susto,
pousa na estante, próxima ao umbral: Hierático e frio...
Fica ali, olhando-me a inquirir,
Estático e nada mais.
Ao encarar aquela ave escura, esquisitíssima figura,
brota em mim um leve riso, a refletir sobre os meus ais.
“Embora esquálido, ó pássaro estranho,” – então lhe digo –
“não tenha medo. Converse comigo, ó grande ser da noite, espectro tosco,
qual é seu nome, ó grande ser, o seu nome acaso irei ter?”
E o pássaro disse: “Nunca mais”.
Admirou-me que aquele ser inferior pudesse falar,
misterioso pássaro preto, a responder-me em termos tais;
afinal eu nunca conheci alguém, antigamente ou no presente,
que indefinível surpresa experimente a de encontrar em sua prateleira
um bicho, hierático e esquisito e que se chama:
“Nunca mais”.
Outra coisa não fazia, ali estático, o pássaro sombrio,
com a alma inteira a depositar-se naquelas palavras fatais.
Reflito, então, vendo-o sereno e sem se mexer,
concomitante o vazio começa a me preencher: “Companheiros... sempre se vão.
Certamente pela manhã, o pássaro há de ir-se embora.”
E ele disse: “Nunca mais”.
Silêncio sepulcral, encaro estupefato o pássaro infernal:
“É só isso que ele sabe fazer. Parece um filme de terror que vi na TV.”
Deve ser treinado ou algo parecido,
nesse mundo surgem coisas e povos esquisitos. É igual uma fita:
“Nunca, nunca, nunca mais.”
Pensando sobre os momentos antes do terrível medo que senti do pássaro,
comecei a imaginar o que aquela ave queria, afinal um motivo tinha de ter.
Mergulhado nos meus pensamentos, sentindo o cálido olhar da ave singular,
Estranho, absorto, horrendo e torvo o pássaro grasnou:
“Nunca mais”.
“Que ser medonho”, penso comigo mesmo.
Todas as noites tento me desvencilhar daquele belo olhar –
sim, Lady Sunflower, a mais bela! A cativante e sorridente donzela.
Mas pela primeira vez acontecia aquele fenômeno singular, o terrível pássaro preto
ficava a me olhar, parecia um vaticínio que ele tinha prazer em dar:
“Nunca mais”.
“Mas que diabos há por trás dessas palavras sombrias?”, fiquei a perguntar.
“Terrível pássaro, ó grande ser do mal, por que você não me revela seu propósito infernal?”, perguntei novamente ao pássaro que me olhava indecente.
“Alguma notícia de Sunflower que você traz para mim?”
E a ave grasnou assim: “Nunca mais”.
Todas as noites lá está o pássaro protervo,
Pousado soberbamente na prateleira do meu quarto,
Parece-me querer dizer algo e zombar de mim.
“Quando Sunflower será minha? Será que ela um dia virá?”, inquiri ao tosco ser abismal.
E o pássaro grasna todos os dias a melodia fatal:
“Nunca, nunca, nunca mais!”