CAMINHO
É que as pernas doem
É que as pernas recusam-se a moverem-se
É que os ombros pesam
É que os ombros pesam peso de tonelada
É que o estômago rumina
É que o estômago devolve o gosto amargo
É que as pálpebras cerram-se
É que as pálpebras descortinam a escuridão
É que o coração aperta
É que o coração estrangula-se num torniquete imaginário
E se eu não dobrar as pernas
Andarei como anda o andarilho?
E se eu não arquear os ombros
Erguerei o mundo como Atlas?
E se eu fizer a digestão
Digerirei o fel e o mel da vida?
E se eu descerrar as pálpebras
Enxergarei o novo como novo?
E se eu desatarraxar o torniquete
Palpitarei novamente por amor?
Há que me responder
Antes que eu ensurdeça-me
Há que me mostrar
Antes que eu cegue-me
Há que me ouvir
Antes que eu emudeça-me
Há que me orientar
Antes que eu desvie-me
Há que me salvar
Antes que eu mate-me.