Viajor

Faças o que tem que ser feito
enquanto repouso em meu leito
minha dor.
Não vou contigo,
pois não vais a lugar algum.
Não vens comigo,
pois meu repousar deve ser eterno.
Cala-te enquanto profano o dormitar,
procurando ao longo da caminhada,
os retalhos que em algum canto
sobraram de minha amada.
Se não sabes, fui portento;
me deleitei nos braços dela.
Ah, são histórias que invento
para salgar a vida, dar tempero,
enquanto passas fazendo arruaça,
assustando, vegetando, florescendo,
mas, muitas vezes dizimando,
deixando ao desabrigo quem te procura.
Cala-te agora.
Preciso viajar, ir embora.
Te encontro em algum lugar,
sempre acima dos prazeres; sou a nata,
o eflúvio supremo da purificação
que um dia tivestes as honrarias de banhar;
só que naquela época fostes,
fostes chuva prata
em meu rosto, cabelos, corpo,
em minha singela vontade de viver.