GALHOS SECOS NA PAISAGEM
Éramos as horas todas
Desde a tarde, quando, depois das madrugadas
Abríamos os olhos
Até a noite, cujo tempo não se contava
Ela, veneno e cura
Abraço ardente, louca, boca, quente
Espasmos de gozo, delírio, fissura
Idílio, mistério, céu e inferno
Entender? Nem tente!
E, quanto mais eu tava lá, no precipício
Ela, produzindo versos, ria
E quem diria?
Eu me atiraria, do alto do mais alto monte
Para ir ao encontro dela
Sádica, impávida, ilegível, enigmática
Indecifrável, oceano mortalmente navegável
Chamava minha alma pra dançar
Éramos um
Num espaço-tempo paralelo
Entrelaçados, entrecortados pela insanidade da vizinhança dos corpos
Fundidos... irremediavelmente entorpecidos
Da lascívia dos gemidos
Do sussurro ao pé do ouvido
No balanço das ondas que não são do mar
Frenéticos, epilépticos, acorrentados um, no olhar do outro
Hipnoticamente ligados e embriagados
Sangue, carne, línguas, rimas
E então viramos vítimas
De todos os versos de todas as músicas
De todos os ritos, perdidos, em fúria
Pela constância do querer sentir
Possuir, desconstruir, desabar, desaguar um no outro
E, entre os escombros do que ainda somos
Tornamo-nos não mais do que meros humanos
Cheios da culpa, do medo, da dor, das rupturas
Do monstro do abismo profundo e escuro
Daquilo que pode, mas não deve ser
E, agora, somos viagem
Galhos secos na paisagem
Nunca mais eu vou reverdecer
Tem muita angústia pra colher
Agora, que fechamos a porta.