GALHOS SECOS NA PAISAGEM

Éramos as horas todas

Desde a tarde, quando, depois das madrugadas

Abríamos os olhos

Até a noite, cujo tempo não se contava

Ela, veneno e cura

Abraço ardente, louca, boca, quente

Espasmos de gozo, delírio, fissura

Idílio, mistério, céu e inferno

Entender? Nem tente!

E, quanto mais eu tava lá, no precipício

Ela, produzindo versos, ria

E quem diria?

Eu me atiraria, do alto do mais alto monte

Para ir ao encontro dela

Sádica, impávida, ilegível, enigmática

Indecifrável, oceano mortalmente navegável

Chamava minha alma pra dançar

Éramos um

Num espaço-tempo paralelo

Entrelaçados, entrecortados pela insanidade da vizinhança dos corpos

Fundidos... irremediavelmente entorpecidos

Da lascívia dos gemidos

Do sussurro ao pé do ouvido

No balanço das ondas que não são do mar

Frenéticos, epilépticos, acorrentados um, no olhar do outro

Hipnoticamente ligados e embriagados

Sangue, carne, línguas, rimas

E então viramos vítimas

De todos os versos de todas as músicas

De todos os ritos, perdidos, em fúria

Pela constância do querer sentir

Possuir, desconstruir, desabar, desaguar um no outro

E, entre os escombros do que ainda somos

Tornamo-nos não mais do que meros humanos

Cheios da culpa, do medo, da dor, das rupturas

Do monstro do abismo profundo e escuro

Daquilo que pode, mas não deve ser

E, agora, somos viagem

Galhos secos na paisagem

Nunca mais eu vou reverdecer

Tem muita angústia pra colher

Agora, que fechamos a porta.

Nilvan Oliveira
Enviado por Nilvan Oliveira em 26/04/2021
Reeditado em 26/04/2021
Código do texto: T7241867
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