Ingratidão

Eu cai azul

No oceano espinhoso do teu silêncio

E comi das nuvens negras

Eu vi que tudo se quebra

Respirei o ar que tu envenenaste

Cai em perdição

Sonhei com flores pretas

Com o meu sangue pregado na tua mão

E o teu olhar carente de ódio respaldado

Pedia-me martírios a mais

Para sofrer

Nem precisa morrer brincando

Com as sombras

Conheço todos os teus planos mal elaborados

Que sempre te acompanham

Na rua feita de corpos violados

Se for para desolar-me

Desole-me direito

Você bebeu do meu vinho

Provou do seu veneno encantado

As suas asas caíram dentro do meu sapato

Um sapato para ir a um enterro tão esperado

Sou parte da tua infelicidade

Mas as minhas moedas

Pagariam a tua falsidade deficientemente cálida

E pálida

Tão grotesca e tão simpática

O cordão umbilical foi cortado

Para você sofrer com o resultado

Morreu por respirar esse ar tão mutilado

Vou te acompanhar

Ate você arrancar meu coração

Para comer no jantar

Pranto pelos que sentimentos que vou recortar

A vida desencantou os girassóis que se tornavam negros

O teu desamor

Levou-me por inteiro

O teu amor de bosta me levou ao desespero

Masturbei-me com o teu ciúme

Contei quantas estrelas tu roubaste

E vi que eras amiga da traição

Pedras pedindo que eu pisasse nelas

Nos caminhos

Que levariam ao atalho do teu mundo

Tão vagabundo

E sem compaixão

Pensei por um segundo

Que sorria no escuro cinzeiro

E que o céu ia cair

Eu naveguei no atlântico norte do teu coração prisioneiro

Podre, vazio

Eu também te contaminei

Com as juras que nunca cumpriria

Também destruí sua vida vadia

Vou traficar o teu anêmico carinho

Vou encontrar o tesouro no tumulo do teu olhar

Sozinho......vou me salvar

E desvendar porque sumiram os vitrais da sala

A beleza era tão inesata

Uma estrada só pregos

É para se andar descalço

Orgásmica dor

Dos meus eternos devaneios

Vivia num mundo

Antes sem desprezo

Borboletas vermelhas

Derreteram-se como se fossem

Um amor que faleceu

Como uma uva perdida no mais sereno pomar

Como um castelo

Que abrigou

Os instrumentos da tua tortura fantástica

Jogaste-me no calabouço aceso

Arrancaste meu paralítico sossego

Vou liquidificar a tristeza tão rarefeita

Picar o teu espírito sem fé

Invejando o meu

Eu invejo não ter te atropelado com as palavras

Mais putrefatas

Que tirei do teu dicionário

Monossilábico e inútil

Como a aspereza

Da tua mente de papel amarrotado e fútil

A ventania expulsou os pássaros da janela

A tua simpatia era tão perversa

Das rosas me destes só os espinhos baratos

Teus beijos não moviam moinhos açoitados como eu

A tua língua nunca me encontrava

Voluptuosa desgraçada

Por mil demônios

Secaria o Nilo com todo esse sal que vive dentro de ti

Como uma penosa falácia

Tu criaste um sentimento laboratorial

Um experimento

Um vomito eternamente injustificável

O teu relento comia o sobrado

De onde eu observava

A platonicidade em vão do sereno

Indisponivelmente ingrata

Roubaste não mais do que meu mundo inteiro

Assombraste-me

Enquanto adoecia

Por ter perdido a passagem de volta

Desse hediondo pesadelo

Eu visitei a caverna azeda dos teus pensamentos

E fiquei com medo

De encostar nas paredes não pintadas

Escondi-me de ti

Como o sol se esconde da lua o dia inteiro

Deixei de gozar o inverno

Roubou-me o aconchego

A tristeza

A escuridão

Acolheu-me

Do abraço ideológico das tuas mentiras

E aquelas flores que te dei

Deveriam ter colorido a tua vida

Eu fiquei tão fraco e nu

Apreciei as folhas caírem

Felizmente sem teu cheiro

Eram vazias e sem clorofila

Não perdoarei jamais

Essa sagaz agonia que não me deixa em paz

Mastiguei a terra infértil do teu seio

Derreti junto com a vela preta que acendi

Para flagelar meu amor sintético

Por ti

Não há perfume, cor ou sabor

Receba minha ossada como lembrança

Da sua incapacidade de fazer eu sorrir

Morra mas não encontre-me depois

Se perca na sua cegueira proposital

Desapareça

Mas não se esqueça de me querer mal

Ao cântico fúnebre faltavam versos

Aqui estão eles

E assim eu me despeço

Deixe os vermes se envenenarem ao comerem

Essa carne tão estúpida, fria e sem orvalho

Padeça

Sofra por nós dois

Corra na floresta dos teus medos

Colocarei na tua cama

As serpentes que do teu corpo não deixaram nem um galho

Era uma arvore sem luz

Eu me perdia na fotossíntese do teu fingimento

Mesclado entre o preto e o vermelho

Abraçava-me com tuas giletes

Açoitava-me

vampira

Como me mostra estacas

Tome logo todas essas pílulas

Redondas

Como os círculos em que me perdi nostalgicamente

Dancei quando o teu réquiem

Não te levou onde eu me encontrava

No abismo longe de ti

Vivia tão só e morreu assim a esperança

Não vou mais sangrar contigo

Lágrima automática

Nem mil banhos tiraram essa lama

Que impregnou meu leito escarlate

Parei de comer as raízes do meu rancor

E ignorei teu chamado abstrato

Vazio, insensível e ingrato

Era tão barroca

Tuas dualidades

Consumiam minha força

Teu gramado respeito

Transformou-se num concreto imperfeito

Pulei corda com o teu intestino delgado

Tiago Quingosta
Enviado por Tiago Quingosta em 16/11/2005
Código do texto: T72537