Conheces “Sonho de uma Noite de Verão”?

É por isto que a Roda da Fortuna sempre acaba por fazer-se presente:

Necessita, de tempos em tempos, saciar sua fome e mostrar sua face

Para que a ninguém fuja a certeza de que quem tudo controla

É ela, rainha das felicidades e dos desprazeres.

Se um dia estás sentado no topo, não te surpreendas se,

De repente, ela te arranca o que mais guardas de precioso

Para ver-te ao chão, jogado a seus pés, capricho facilmente satisfeito

Quando nos têm aprisionados nas engrenagens de seu viver.

É por isto que agora recorro a Shakespeare:

A Roda da Fortuna me transforma de Hérmia em Helena

E tudo retorna à minha mente com extrema violência e, sei que não deveria,

Mas é a isto que me agarro; às lembranças de algo que não volta mais.

És tu, Lisandro, que hoje sentas no vértice da Roda da Fortuna,

Tu, que um dia tive para mim e que me correspondeu em cada grau,

Cada partícula de sentimento que parecia durar eternamente?

Tu, que também já esperaste por mim, como hoje espero por ti?

É por isto que os antigos momentos contigo, agora de nada valem;

Só assaltam meu peito e latejam em minha mente de Helena deflorada,

Desesperada em busca de vestígios teus, qualquer resquício de carinho

Guardado talvez em algum canto deste teu novo Demétrio-ser.

Helena ocupa-se com o máximo que pode ter e fazer,

Ela tem a visão turva de lágrimas e as imagens de Lisandro e Demétrio

Misturam-se, a confundem, e quando consegue por fim enxugar os olhos,

Sente-se Hérmia novamente e é a Lisandro quem, à sua frente, vê.

É por isto que nada volta, pois a Roda da Fortuna a eleva devagar

Ao topo, para repentinamente a soltar ao solo, dando notícias de que

Nada mudou, era apenas o delírio das memórias e ínfimas esperanças

A pregar-lhe peças, forjar armadilhas para nunca deixar de submissão a ti.

E ao projetar um futuro, como tantas vezes fizemos juntos, nada tem perspectiva,

Porque meu mundo ainda gira ao teu redor, por mais que Hérmia esbraveje e planeje

Também te turvar e confundir para te ter nas mãos, mesmo por breves segundos;

Fingir que ainda possui alguma diferença para ti.

É por isto que enfraqueço e não sei como agir, pois me desarmas toda vez

Te aproximas, e eu te sigo como sempre fiz; por mais que insistas na existência

De um orgulho intransponível dentro de mim. Mas te digo, Lisandro/Demétrio:

Orgulho nenhum cabe, quando és tu que ocupas todo o meu ser.

Tentei me enganar pensando em uma continuação sem tua presença;

Uma vida onde só aparecias raramente para ficar junto de mim sabe-se lá até quando,

Mas é impossível se contentar com tão pouco quando já se teve tudo

E hoje tu mal falas comigo, como que aborrecido de mim.

Quantas mais Hérmias e Helenas te cercam por aí? Te contentas agora, já que eu parecia

Não ser suficiente para ti? Enganastes-me e continuas a iludir, simplesmente para

Ter-me garantida se por acaso caíres também da Roda da Fortuna? Pois bem,

Por mais que o ódio me corroa ao dizer isto: estarei aqui para te segurar.