EU NÃO ACREDITO MAIS

Eu não acredito mais.

Não acredito mais nos carros enfileirados no caminho de casa;

não acredito nas bocas vermelhas de aperol e pêssego;

nem nos dedos chamuscados do tabaco pungente da banca, do mais barato;

não acredito na força das mãos contra minha cintura;

no sono. Não acredito mais no amor.

Não acredito nos hippies e hipsters da Roosevelt em suas cirandas

soltando baforadas de prensado mofado contra o prateado de uma lua minguante.

Nas flores, no cheiro nauseante das flores, no abricó-de-macaco,

sequer nelas, nas flores. Pareciam honestas.

Não acredito na palavra verbalizada ou escrita.

Deixo de crer nos pássaros, no parque e nas pradarias

estreladas de antes. Deixei de compreender o vento

fresco da noite no mato — hoje ele é quente e sopra

como sopram os ventos do inferno. Mas não acredito em países esotéricos.

Um dia vi o braço da via láctea, eu entorpecido sob uma tela pincelada de brilhos.

Mas hoje não acredito nessas farsas. Acredito

no desespero

e na morte.