Debaixo de um céu queimado

A Terra está suja. Coberta por lama, lodo e vísceras e eu estou até o pescoço enterrado, batendo os pés e me esticando para manter o nariz acima da linha do pântano.

E me perguntam o que eu quero no almoço. Me perguntam com quem eu quero me confraternizar no chá da tarde, mas eu não quero almoço e não quero chá. Eu quero ficar sozinho e lamber minhas feridas, ficar quieto debaixo da terra e torcer para que o mal da superfície não me note e que a enxurrada não se lembre de me arrastar junto aos escombros com suas farpas e pontas de ferros retorcidos.

Eu não quero amigos nem risadas, nem alegria ou conforto, eu quero ar, eu quero escapar. Mas não há escape, uma asa negra encobre toda a terra. Uma teia de mentiras, invisível e sufocante, atravessa os céus e captura todo e qualquer pensamento, fazendo joelhos se dobrarem e cabeças se curvarem debaixo de um manto de pecados e crimes, onde vivemos aos prantos e engolindo lágrimas amargas, pois não há justiça nem vitória, a inocência foi tragada por gargantas negras e os braços dos pequeninos foram quebrados por botas enlameadas e eu mesmo não sei se sou botas ou braços quebrados, sou ambos réu e vítima, cúmplice, culpado e sofredor de toda imundície que há debaixo desse céu queimado.