Roupa velha

Há muito, quando eu passava,

Te observava dependurada

Cores turvas e frias

Cheia do ácaro que habita o pó.

Havia em ti alguma beleza

E o meu número cintilava

Numa etiqueta rota.

Silente, evasiva, sonsa..

Algo em ti me diza

Sobre um dono, um abandono.

Levei-te para visitares alfaiates

Da alta costura, brilhaste!

Retinta, quente, esvoaçante,

Livre, vestia-me como um rei.

Visitavas óperas, aniversários

Reveillon e bodas;

Eras admiradas pelos nobres

Pelos pobres amigos e rivais.

Até que do varal, às escondidas,

Observavas outros corpos

De inimigos íntimos das minhas festas.

Tua alma era pequena, morena;

Que pena... tudo valeria a pena?

Sabias que suntuosos brechós

Te queriam a tempos,

Pequenos burgueses te tentavam

Em seus corpos nus sob o ouro.

Mágicos chás, malditas poções,

Incensos, ópios e pensamentos

Tesouros de inquietas cobiças;

E foste, fera ferida fiquei

Sabendo que cobrias outros corpos

Sob falsas etiqueta de mentiras,

Esqueci-te de propósito

Em um balcão barato

De sagrado e profano prostíbulo

De onde passaste a vestir

Prostitutas em seus prazeres

Mais insanos. Descorastes...

E hoje, exposta como degolada,

Amargas um velho cabide

Do incerto e vigativo

Cabedal do tempo.

Carlinhos Matogrosso

carlinhos matogrosso
Enviado por carlinhos matogrosso em 04/12/2023
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