Posso agora me considerar poetisa
Posso agora me considerar poetisa.
E das modernas
que não rimam
Nem tem altos padrões
Ou qualquer seletividade
Das que escrevem o que pensam
Porque querem
Sem filtro, métrica ou pudor
E que não fazem mais sonetos
Só versinhos solitários e carrancudos
Sem paciência para a contínua busca
De sua cara-metade.
Aliás, minha classe não existiria senão pela decepção
Pelo amor não correspondido
idealizado, endeusado
guardado para sempre nas linhas de um poema murcho
No fundo da gaveta de roupas íntimas e meias.
O que nos formaria senão
A sempre diversa realidade
o morrer de amar mais do que se pode
E ainda assim morrer só?
Pelo que viveríamos nós, os pobres coitados
senão pela ausência
Pelo fazer errôneo do amor destino
Pelas lágrimas tolas derramadas
Em memória daqueles que nos superaram há tempos?
O que desejaríamos, os sofredores, senão
Uma ferida que dói e não se sente
Um não querer o mundo por mais belo que esse seja
O riso resvalado que não se pode ter?
E com o que sonharíamos senão
Com o sonhar de perder a alma
o poder de ouvir mesmo as estrelas
o longe amar, da tranquila distância
Em vez das ondas que arrebentam o coração?
O que nos resta, então?
Os amantes sem dinheiro
Sem retrato, sem bilhete
Sem luar, sem violão
Que também desmancharam
Quando um deles ganhou na loteria.