DAS COISAS QUE ME DÃO PENA

DAS COISAS QUE ME DÃO PENA

Eu tenho pena do Sol,

De majestoso arrebol,

Qualquer que seja a estação!

Pontualmente ele aparece,

Só se vai quando anoitece,

Mas... quem lhe presta atenção?

Eu tenho pena da Lua,

Que embeleza a minha rua

E tinge o campo de prata.

Branca e bela, eu a contemplo.

Poucos seguem meu exemplo...

Nem a lua os arrebata!

Tenho pena das estrelas

Que as nuvens nem deixam vê-las,

Ou as esqueço, lá em cima.

Toda estrela tem a ânsia

De ser amada à distância:

Só o amor nos aproxima!

Eu tenho pena do rio,

Que mal corre, doentio,

Com tanta poluição!

Eu grito que o rio morre;

Ninguém, contudo, o socorre,

Não há qualquer reação!

Eu tenho pena do mar,

Que se deixa penetrar,

Provendo alívio à corrente,

Qual coração generoso

Que acolhe o sangue venoso

Do rio turvo e doente.

Eu tenho pena do vento,

Quando ele uiva, em seu lamento,

Roçando o canavial.

Faz carícias, traz odores...

Mas hoje o som dos motores

Impõe-lhe um coro infernal!

Eu tenho pena da chuva,

Mão em que a terra se enluva,

Trazendo a ceifa, a seu tempo.

É uma bênção, de verdade,

Mas vista, em toda a cidade,

Como estorvo e contratempo!

Tenho pena do arvoredo!

Do cedro, que morre cedo,

Nos dentes da moto-serra,

Sem fuga, sem movimento,

Sem chance de livramento,

Rangendo, ao cair por terra.

Eu tenho pena da flor,

Tratada com desamor,

Pisoteada no chão.

Quanto mais formosa e bela,

Mais cresce o comércio dela

E até do frágil botão.

Eu tenho pena - e bastante -

Da borboleta confiante,

Visitando cada flor.

Por mais segura que esteja,

Mais tarde, talvez, a veja,

No quadro de um corredor...

Tenho pena do Universo,

Da Poesia e do meu verso,

Queixumes sem acolhida...

Tenho pena do poeta,

Nessa angústia que o afeta,

Que o faz ter pena da vida!

Eu tenho pena de tudo!

No Universo - não me iludo -

Tudo existe pra ter fim!

No mundo em que tudo finda,

Por saber que eu vivo ainda,

Eu tenho pena... de mim!