A Boa Lembrança

Nossa memória realmente é seletiva,

mas no sentido perverso, com certeza:

a recordação da alegria é fugitiva

e aí fica mais espaço pra tristeza.

Nossa tendência é aumentar as dores,

como se isso ainda fosse preciso,

dar valor aos menores dissabores

para ocupar o lugar que era do riso.

Sofremos todos nós de coitadismo,

uma aparente e irresistível vocação

de ficar sempre na beira do abismo

e até torcer para levar um empurrão.

Já muito mais tarde, bem velhinhos,

é que mudamos o modo de pensar,

depois de percorrer tantos caminhos

e tanta coisa boa ou má guardar.

Aí já bastam do presente as dores,

e a memória já vai chegando ao fim;

esqueçam-se os espinhos, não as flores,

esqueça-se o deserto, não o jardim.

Amaury Nicolini
Enviado por Amaury Nicolini em 11/06/2010
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