PRETENSÃO

QUINTANEANDO O TEMPO

(Lena Ferreira)

Ah, Mário, se por aqui ainda andasses

com pés de passarinho e letras aladas

quintaneando o teu silêncio, confirmarias

o alvo certo do teu aforismo sobre o tempo

que com passos assustadoramente fungíveis

engole fatos, fotos, ventos, velas, elementos

vulneráveis sentimentos; bem dissestes

tanto tempo e o dito permanece imutável

a não ser pelo próprio espaço que, caduco

não consegue acompanhar a avalanche

de informações que chegam de toda parte

e reparte a mente em tantos pedaços

sem que, cada parte partida, absorva

verdadeiramente, o que há em cada fato

Os tempos são outros, Mário, são sim

adornam a distância com a própria distância

entornam à inconstância mais inconstância

em toques progressivamente superficiais

porém tranquilizo-te, poeta; como tu, deitei-me

nas citações dos outros sobre mim; e assim,

sereníssima, tranquila, calma e equilibrada

andarei sob essas impressões atemporais

sob a promessa de não levar para o túmulo

o acúmulo do tudo que posso fazer no agora