Sei que é tarde
Meus olhos longe
No horizonte do tempo
E da vida
Perguntas sem respostas
E uma certeza
Resiste incólume
Sei que é tarde
Tarde demais
O rosto cansado
Os pés, dormentes
Sinais visíveis
De quem precisa descansar...
Não! Não posso parar!
Insisto em pensamento
Numa briga cruel
Entre o espírito
E o físico
Tropeço
E vou ao chão...
Falta luz
O sol já não se vê
Restam poucos raios a brilhar
Sinto frio,
Tenho fome
E sede...
Freqüentemente sou açoitado
Confundido com bandido
Vivo a correr
desesperado
Em busca de um beco
Uma rua sem nome
Onde eu possa ficar...
Tenho saudades
Saudades do meu filho
Onde estaria ele agora?
Que Deus o proteja e guarde
E que ele um dia possa entender
E me perdoar...
Por não ter tido a chance de criá-lo...
Tenho saudades...
Saudades de ter um lar
Um endereço...
Abrir uma correspondência
Fazer compras
Preparar um almoço junto do meu amor...
Dormir num quartinho só meu
Cama asseada, cheirando a limpo...
Queria tanto meu Deus...
Deixar de ser “ninguém”
Que de tanta coisa que falta
Rotularam-me de ser um ser “sem...”.
Sem teto, sem terra,
Sem dignidade de ser
E de existir...
Estou doente,
Faltam-me até os dentes
Perdi minha beleza física
O tempo e o sofrimento
Encarregaram-se de transformá-la
Sei que isso pode parecer lamentação,
Depressão,
Ou qualquer “ão” da vida moderna desse século
Mas não é não...
Trata-se de uma oração...
É o louvor de quem perdeu “tudo”
Tudo o que o mundo enxerga como valor
Mas acredite!
Não perdi o que me sustenta vivo e ainda feliz...
A capacidade de se emocionar
Com coisas pequeninas
Que a vida abundantemente revela...
Registro cada uma delas num caderno!
Hoje, pela manhã, numa praça arborizada...
Declamei vários poemas
Ouvi ao fundo alguns aplausos
Pediram até “bis”
Agradeci
E sorri abertamente!
Adoro viver
E espero que esse meu depoimento
Sirva-lhe de estimulo
Para voltar à vida
E ser feliz agora