NAQUELA NOITE

A música do vento,
A manhã que clareia,
A velha jangada,
No acostamento,
Os passos na areia,
O rotineiro traçado,
O pescador cansado,
Cansado mas, contente,
É que foi boa a jornada,
Boa não, excelente,
Por que não dizer, surpreendente,
Já que há tempos labutava,
Lançava a rede, esperava...
E só voltava de mãos vazias,
E ele que orava tanto,
Pedia a Deus aos Santos,
Uma decente pescaria,
Naquela noite, não orou,
Ignorou o verbo crer,
Se revoltou,
Desafiou o mar,
Disposto a não voltar,
Estava demais essa vida,
De inúteis vindas e idas,
De ter que encarar,
A mulher, a criança,
Sem nenhum olhar de esperança,
Sem o básico para a sobrevivência,
Mas, naquela noite de desistência,
O milagre aconteceu,
Do nada, a rede, encheu,
Naquela noite sem luar,
Foi divino o esplendor.
...Nem imaginava o pescador,
Que na humildade do seu lar,
Sua filha estava acordada,
Erguia ao céu, as mãos,
Lançava na madrugada,
Palavras de oração,
E tinha a certeza motriz
Que na manhã macia,
Seu pai a abraçaria,
Confortavelmente feliz.