Nonna
No longíngüo quintal da nostalgia
uma imensa figueira, videira
verduras, legumes, temperos
limoeiro, abacateiro, romãzeira
poço de água fresca
galinheiro, barracão entulhado
e a imensa presença de minha avó.
Vestida de preto viuvez
da família vovó era o general
tamancos de madeira, pés rachados
sotaque, rosto liso e rosado
birote na cabeça, avental desbotado
seus largos quadris empinando
para ervas daninhas arrancar.
Os netos corriam, brincavam, brigavam
disputavam milho para galinhas e patos
colhiam ovos, ninavam coelhos
vaticinados para o repasto pascal
tumultuado era o momento do sacrifício
em que o carrasco era meu pai
e as crianças chorosas, trancadas no quarto,
suplicando pela vida do pequeno animal
Missa do galo, noite de festa
na quente madrugada do mês de dezembro
todos na rua, abraços, saudações
sexta-feira, procissão de Cristo Morto
hinos, velas, orações
disfarçados flertes juvenis.
Domingo,
macarrão caseiro, vinho à mesa
recusá-lo? Nem as crianças poderiam
visitas, conversas, risadas
um tio ranzinza para a discussão iniciar
no final da tarde, café e histórias para contar.
Um dia,selaram o poço
cortaram a figueira, videira secou
desmontaram o galinheiro, barracão ruíu
o quintal foi cimentado, ladrilhado
confinada, agora, em um álbum de fotos
minha vó caminhou para nossa recordação
deixando-nos em um tempo que eterno ficou.