Nonna

No longíngüo quintal da nostalgia

uma imensa figueira, videira

verduras, legumes, temperos

limoeiro, abacateiro, romãzeira

poço de água fresca

galinheiro, barracão entulhado

e a imensa presença de minha avó.

Vestida de preto viuvez

da família vovó era o general

tamancos de madeira, pés rachados

sotaque, rosto liso e rosado

birote na cabeça, avental desbotado

seus largos quadris empinando

para ervas daninhas arrancar.

Os netos corriam, brincavam, brigavam

disputavam milho para galinhas e patos

colhiam ovos, ninavam coelhos

vaticinados para o repasto pascal

tumultuado era o momento do sacrifício

em que o carrasco era meu pai

e as crianças chorosas, trancadas no quarto,

suplicando pela vida do pequeno animal

Missa do galo, noite de festa

na quente madrugada do mês de dezembro

todos na rua, abraços, saudações

sexta-feira, procissão de Cristo Morto

hinos, velas, orações

disfarçados flertes juvenis.

Domingo,

macarrão caseiro, vinho à mesa

recusá-lo? Nem as crianças poderiam

visitas, conversas, risadas

um tio ranzinza para a discussão iniciar

no final da tarde, café e histórias para contar.

Um dia,selaram o poço

cortaram a figueira, videira secou

desmontaram o galinheiro, barracão ruíu

o quintal foi cimentado, ladrilhado

confinada, agora, em um álbum de fotos

minha vó caminhou para nossa recordação

deixando-nos em um tempo que eterno ficou.

vitória Paterna
Enviado por vitória Paterna em 01/07/2006
Reeditado em 15/07/2007
Código do texto: T185414