Ciclo vital

Manhãs de inverno, fico enternecido

Ao ver as flores em alvo vestido:

Meigas crianças sem poder brincar;

Curvam-se frágeis, e ao sopro do norte

Sem viço, sem cor, só lhes resta a morte,

Deixando semente a vicejar.

Há em nós também a flori-existência;

No humano vergel temos permanência

Tais quais as flores no ciclo vital:

Despertamos cultivando anseios,

A juventude: céu de devaneios,

Brisa matutina - aura estival.

Tornam-se os sonhos em realidade,

O peito abriga a audaz mocidade

Que revigoriza árduos anelos.

Pintam-se os prados em múltiplas cores,

Ecoam canções que falam de amores

E abrem-se as portas de nossos castelos.

Mas num fim de tarde o sol esmaece,

Dos olhos cansados o brilho fenece

E perdem-se ao vento os sonhos sem cor;

Lábios exangues segredos sepultam,

Brancos cabelos lembranças ocultam

Do jovem menino, agora senhor.

Marcas se avultam no lívido rosto:

Chega o inverno com a neve de agosto

Inumando imortais ilusões.

Mesmo assim, ainda resta a esperança

Que sua semente: a meiga criança

Floresça também nas quatro estações.

Jorge Moraes - Livro: Acalantos

Jorge Moraes
Enviado por Jorge Moraes em 17/01/2010
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