Mãe da minha mãe
Você, minha avó, que soube
Ser mãe de um irmão meu
Consolou-me no seu desconsolo
Quando minha mãe – sua filha – morreu!
Você, minha avó, que anda
Sem parar nos caminhos da vida
E conheceu na sua lida
Todos os sabores dos amargos dissabores
Que a vida impõe para ser vivida...
Ralhava comigo ao pedir livro
Para ler nas noites caladas,
Noites de criança inquieta
Na quietude do sertão;
Dizendo que à luz da lamparina
Eu via os contos de fada
Mas na espada da indiferença
Perdia aos poucos a visão.
Um dia ao ver os meus tios
Levantarem fumaça no ar
Resolvi conhecer a verdade
E você, sem nenhuma maldade,
Fez o que foi mais certo:
Mandou fazer um bem forte,
Respirar bem fundo, e que sorte...
Nunca mais eu quis fumar!
Seu pomar era um paraíso
Onde eu, moleque travesso,
Deitava e rolava no avesso
De canivete na mão;
Era figo e laranja baiana,
Pêra, manga e mexirica,
Voltava com o cesto cheio,
Pisava até no feijão...
Comia carne de porco
Com o toicinho defumado,
Bebia garapa da cana
Da velha moenda que rangia
E fazia a família em festa
Com o caldo vertendo ao lado
Cacei passarinho no mato
Com arapuca e estilingue,
Comia carne de caça
Que os tios traziam, na raça,
Da roça – seu ganha pão!
Milho verde e rapadura
Farinha de milho e de mandioca,
A vida de lá é dura,
Mas como existe fartura!
Como alegra o coração!
Cheguei a ver o rastro da onça
Que em noite de chuva e descuido
Deixou sua marca no chão.
Mas o que me deu mais medo
Foi saber (no maior segredo)
Que o Saci Pererê,
Preto que nem não sei o que,
Morava também no sertão...
E hoje, entre grossas lentes,
Vejo a frente da vida
Nos caminhos do meu passado
E você, vovó querida,
O que faz agora, nesta vida,
Se não te vejo mais ao meu lado?
Andando de lá para cá,
Fazendo tudo que precisa ser feito
Descobri que meu maior defeito
Foi crescer nesta roda-viva
E não ter como tinha a criança:
Tempo e consciência
para te procurar hoje
E tê-la sempre ao meu lado
Para retribuir o carinho
E procurarmos juntos o caminho
Para a nossa nova aliança,
... enquanto é tempo!
17/07/1980 (74 anos) – em tempo!
Minha avó materna (Francisca): 06/06/06 – 30/08/96
(90 anos) – acabou-se o tempo...