FLORES MORTAS (Tríptico Vegetal)

FLORES MORTAS (Tríptico Vegetal)

MIRAFLORES I (7 FEV 2011)

Antigamente, havia no jardim

um pé de Sete-Léguas, trepadeira

de caule grosso, germinação certeira,

num dia a percorrer metros assim.

Mas a sombra que causava, dava fim

à brotação das plantas à sua beira,

ou plantadas a seus pés; era matreira

e até no esgoto se enfiava, enfim...

Por isso, foi preciso ser cortada,

o que me provou bom desagrado:

adorava ver o arbusto coroado,

de centenas de flores cor-de-rosa,

em sua floração esplendorosa,

que a muito poucas poderá ser comparada.

MIRAFLORES II

Vendo o jardim, nessa fotografia,

com outras plantas erguidas para o Sol,

enquanto a estátua ergue o seu farol:

Calíope, como a musa da poesia,

ausentes as flores rosa, em elegia,

sem outra planta a produzir um igual rol,

eu sinto ao coração fisgar de anzol,

nessa saudade da planta que existia...

Lembro-me bem quando lhe trouxe a muda

do muro de uma casa bem na esquina,

quando voltava para casa a pé...

Como cobriu a parede hoje desnuda

e só imagino qual estranha sina

teve essa flor que era e já não é...

MIRAFLORES III

Talvez nem fosse culpa dessa planta

essa raiz que no esgoto penetrou;

há pouco tempo outra raiz lá se encontrou,

seria ainda um resto que descanta?

A água a qualquer erva sempre imanta;

por um nastismo qualquer se apresentou.

pela fenda mais exígua se enfiou,

para crescer a um ponto que até espanta.

E é claro que entupiu esse banheiro

e foi preciso até o vaso sanitário

arrancar. E se quebrou. Outro comprou-se.

E a Sete-Léguas, que cortou o jardineiro,

lançada fora, em qualquer lixo ordinário,

talvez tenha crescido e restaurou-se...

MIRAFLORES IV

Recomendou o mesmo jardineiro

que só fosse plantada bem distante

de cano ou alicerce, doravante,

talvez na cerca à volta de um terreiro,

ou dividindo um de outro potreiro,

porque ela é rápida em seguir adiante,

demonstra um crescimento delirante,

ganha vigor e vida bem ligeiro...

Mas agora, ao olhar para o jardim,

eu lembro o brilho que vi nos olhos dela,

nessa noite em que primeiro trouxe a muda...

E quando ela a cortou, parte de mim,

também cortou-se, em relação a ela,

nessa ferida que a alma me desnuda!

CAJADOS SECOS I (8 FEV 11)

Porém devemos, como dizia Rousseau,

cada um cultivar o seu jardim...

Vamos plantar um renque de jasmim

onde no antanho a Sete-Léguas brotou...

A hemerocálide amarela se arrancou,

por um capricho qualquer ou qualquer fim.

Para plantar outras mudinhas, enfim,

que por outras, bem depressa, se trocou.

É inconstante a minha antiga amada,

de tantos anos já, só persistente

nesse amor que professa me sentir...

E que, às vezes, se apresenta doce fada,

mas em outras zangada ou indiferente,

sem me dar nunca certeza em como agir.

CAJADOS SECOS II

Mas, certamente, esse jardim é dela

e dele cuida sempre com carinho...

Já muitas vezes se feriu em espinho,

não obstante, constante se desvela.

Queria ter mais terra, essa donzela,

que tem mais de sessenta... Como o vinho,

que dizem ser melhor... Como o azevinho

que no Natal se pendura na janela

e que afirmam nos guardar felicidade

por quantos anos se puder guardar

essa guirlanda que foi então usada,

em um Natal de grande alacridade...

E que é melhor, talvez, fora jogar,

se essa reunião foi menos apreciada...

CAJADOS SECOS III

De qualquer modo, ela se encarregou,

há mais de quinze anos, do cuidado

desse jardim, com empenho dedicado

e os galhos secos sempre depenou...

Esses cajados que o tempo já murchou,

para renovos brotar do mesmo lado.

Talvez tenha razão, em seu pecado

de arrancar a Sete-Léguas, que espalhou,

em demasia, suas raízes e lianas.

(Agora está de férias e ameaça

que, em seu retorno, também irá cortar

a buganvílea, com bem furiosas ganas,

porque é espinhosa e sempre faz negaça

de em floração potente rebrotar...)

CAJADOS SECOS IV

Eu, por mim, conservava o pobre arbusto,

que não tem culpa de estar em mau lugar,

se bem que este, saiu ela a comprar

e, no final, eu nem arquei com o custo...

Mas eu sei que ela até feriu o busto,

ao se esforçar por tais galhos arrancar,

se o jardineiro custasse a vir podar:

chegou até a me causar um susto!...

Pois me mostrou no peito um arranhão,

provocado pelo galho, esse cajado

seco, talvez, na falta de outro espaço.

Mas, mesmo assim, me dói o coração,

vendo as brácteas vermelhas do meu lado,

por mais que seu volume seja escasso...

fendas escarlates I (8 fev 11)

da buganvílea o problema principal

é que não se deu bem em nossa terra:

alguma coisa que nosso solo encerra

impediu o seu progresso natural.

sua brotação nunca foi excepcional

como costuma ser, flores de guerra,

brácteas rubras... existe algo que emperra,

passaram anos sem mostrar sinal...

o que impediu que as folhas verdolengas

se transformassem em fendas escarlates?

ao mesmo tempo que outras rebrotavam,

lutando em violência, com pendengas,

até se pendurarem, em açafates,

que nas calçadas depois se derramavam...

fendas escarlates II

mas este pé cresceu forte e vigoroso,

alçando ramos bem direto ao céu;

suas folhas misturadas como véu,

ansiando pela luz do sol formoso...

mas as brácteas não vinham, dadivoso

que fosse o adubo e a água solta ao léu;

só brotavam os espinhos, feito arpéu,

e o rebento se espalhava, majestoso...

foram as brácteas surgindo lentamente,

em três pétalas de fendas escarlates,

com pequeninos botões amarelados...

porém nunca em abundância, mas somente

em alguns cachos, que logo, nos embates

do vento se prostravam, despencados...

fendas escarlates III

e até acredito que da sete-léguas o destino

foi mesmo em parte assim determinado:

a jardineira pensou que o esplendorado

vigor da trepadeira, ao sol a pino,

num crescimento de puro desatino,

a buganvílea tivesse amarfanhado:

que puxasse o vigor para o seu lado

e só lhe desse algum restolho fino...

foi-se assim a sete-léguas, arrancada;

bem que tentou rebrotar, vezes sem conta,

mas não lho permitiu a jardineira...

apesar de que eu pusesse flor rosada,

do lado de sua xícara, em que desponta

prova de amor, em carícia rotineira...

fendas escarlates IV

e agora, após expulsa a trepadeira,

o seu olhar na buganvílea prende,

de que a bráctea encarnada ainda não pende,

embora este ano tenha sido mais ligeira.

e assim se decidiu a jardineira,

que ao voltar de suas férias, em que acende

maior vigor, que ao clima não se rende,

cortar mandava a buganvílea inteira!...

mas das brácteas que vi, eu não me esqueço

e bem queria que não levasse avante

essa intenção de a pobre flor matar...

e, em minha compaixão, assim lhe peço,

(embora saiba que isto não adiante),

que conserve a buganvílea em seu lugar...

ARANDELAS III (C0DA)

Existe um gato no fundo do retrato,

branco no corpo e, na cabeça, preto,

gato de rua, acostumado a treta,

mesmo não sendo retrato desse gato,

que só entrou na foto, de gaiato:

vivia aqui metido, atrás de teta,

e minha paciência bem depressa injeta

a presença desse gato, triste fato...

É até possível que tenha já morrido:

a foto tem dois anos e, agora,

o gato maula não tem mais aparecido...

Depois que me cansei, se foi embora,

quem sabe já encontrou onde é querido,

e se disponham a jogar comida fora...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 11/06/2011
Código do texto: T3027307
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