Seios engomados

Não quero que meu poema

ande no mundo da lua

contemplando nuvens

ou fique indiferente

como os que nem fedem nem cheiram.

Hoje eu estou indignado

doa a quem doer.

Eu quero que haja vagas

em meu poema

para quem quiser dialogar

sobre os seios engomados da puberdade

das crianças indefesas de Cabo Verde.

A brasa quente

não cabe no poema.

Não cabem no poema a falta de informação

a insensatez

os tabus sexuais

o monólogo

a indiferença

das pessoas

dos governos

das ONGS

dos artistas

dos pais (pai no plural)

das mães do mundo inteiro

que podem dialogar

com as mães de Cabo Verde.

Retardar a puberdade

não cabe no poema

com sua brasa acesa de escuridão

sem opção no fim do túnel,

parando o tempo,

arquivando o desejo

e o direito de ser

naturalmente adolescente,

naturalmente mulher.

Como não cabe no poema a mãe

que acende a brasa

nas oficinas escuras

do preconceito

da cultura dura.

Hoje o meu poema está de luto

pela morte de cada seio engomado

pela mágoa

pela cicatriz pra sempre

pela ignorância

pela fragilidade de cada criança

que nasceu para ter

no mínimo o direito

de ser gente, de ter puberdade,

de ser mulher, de ter filhos

quando escolher, acontecer

ou Deus quiser.

“Não há vagas”

Para os seios engomados,

“Não há vagas” para a dor.

Só cabe no poema

o desejo de fugir;

só cabe no poema

o sonho de ser mãe

seja quando e como for.