VERSOS D'ALÉM MAR
 
E adejando sobre a nau das recordações,
no desfolhar da ancestral saudade que adorna minha história,
navego pelas sombras da idade, às profundezas
de escuras noites em alto mar.
 
Vicariantes imagens impregnam os meus sonhos,
como espectros de antepassados e sombras recidivantes
que insistem em povoar os meus porões
e a navegar sobre mares inconstantes.
 
Imagens de intermináveis horas de vigília
atravessam a borrasca da noite,
tendo o sal curtindo a pele
de homens, mulheres e crianças
a desafiar o sol, o vento e a morte.
 
Irrompem os meus dias imóveis
essas insistentes lembranças,
que me falam de raízes e de sangue
no emaranhado de fios
que formam minha herança.
 
Fios trabalhados desde o outro continente,
em terras do Mediterrâneo e Adriático,
feitos a suor e lágrimas de uma gente,
que atravessou o oceano, tecendo uma enorme rede.
 
Revolvo assim as adormecidas memórias,
das mãos calejadas dos imigrantes
a arar a terra e a plantar sementes
sobre o incerto e sobre o imprevisível,
ancoradouro do novo continente.
 
E o lenho duro que sustentou a árvore,
obstinado, intrépido e solitário,
é o tegumento que recobre
minha pele e minha essência
e vive em mim como sacro breviário.
 
E é tanto mais nessa herdade:
uma atávica tendência ao sofrimento,
o olhar em rumo ao coletivo,
à procura de paixões sem qualquer sentido,
o sabor da carne, da pimenta e especiarias,
a compor a farta mesa de iguarias,
que é viver sentindo a dor do mundo.
E por sentir um tanto dessa dor,
morrer a cada dia e renascer
em cada verso e a cada nova poesia.
 
No mais tudo não passa de sina, saga, lendas
e o vital sussurro de além-mar.

MARCIA TIGANI
Enviado por MARCIA TIGANI em 04/08/2012
Reeditado em 04/08/2012
Código do texto: T3814109
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