Pai, Mãe (II)

Pai, Mãe.

Vocês vieram me procurar, perguntar como eu estava.

Como tenho passado.

Achei isso um máximo.

Então compartilhei meus sonhos.

Vocês ouviram com sorrisos nos rostos.

Pai, Mãe.

Me alegra ver que me olham como filha.

Como uma bela menina.

Mas ó, Pai, Mãe.

Tendo seus papéis como pais,

Vieram me dar conselho

Sobre ser uma mulher direito.

Minha Mãe disse:

- Pinte as unhas.

Meu Pai disse:

-Deixe seu cabelo comprido.

Pois cabelos compridos dão um ar feminino.

Ó, Pai, Mãe.

Como criança curiosa quando quer descobrir o além,

Pergunto sem poupar ninguém:

O que é ser feminino?

Pai, Mãe.

Venho falar que eu sou mulher.

Me sinto mulher.

E sou feminina.

Seria feminina mesmo se tivesse nascido homem,

Porque gosto de ser feminina.

Sou feminina ao acordar todos os dias cedo e me virar com trabalhos e projetos.

Sou feminina por já estar perto dos 30,

E estou solteira sem procurar uma "isca".

Pai, Mãe,

Sou feminina carregando uma geladeira sozinha

para instalar em um canto da casa.

Sou feminina quando grito porque vi um rato.

Sou feminina quando mato, com orgulho e sem nojo, uma barata.

Pai, Mãe.

Sou feminina ao beijar homens.

Sou feminina ao beijar mulheres.

Sou feminina ao conversar sobre coisas fúteis

(queria lembrar que todos, sem exceção, têm seus momentos fúteis).

Sou feminina ao conversar sobre assuntos de extrema importância e relevância.

Pai, Mãe.

Sou feminina por ter 1,73 cm e pesar 72 quilos.

E era ainda feminina quando pesava 105 quilos.

Sou feminina por querer cuidar da minha saúde em cada mínimo detalhe.

E sou feminina quando chuto o balde

E devoro um pote de sorvete com brigadeiro, abrindo até os botões da calça.

Pai, Mãe.

Sou feminina quando corto as unhas tortas roendo-as no canto da boca,

Pois bateu aquele nervosismo.

Sou feminina quando consigo ir fazer as unhas e pinto de cor vermelha.

Ou de cor clara.

Porque nenhuma cor vai julgar o que sou.

Elas são apenas cores,

E todas elas são lindas!

Pai, Mãe.

Sou feminina quando engulo o choro e sigo em frente,

Encarando as dificuldades.

Sou feminina quando não aguento a pressão e choro no travesseiro,

Feito criança perdida em um lugar assustador e feio.

Sou mulher e sou feminina.

Pai, Mãe.

Mesmo que não tiveram filhos homens,

Mas quando vocês falam que homem que é homem não usa brinco.

Digo também que isso vale para eles:

Homens são homens quando têm cabelos cortados ou compridos.

Pai, Mãe.

Homens são homens quando querem se cuidar.

Homens são homens quando não dão muita bola para a beleza.

Homens são homens quando beijam mulheres.

Homens são homens quando beijam rapazes.

Pai, Mãe.

Homens são homens quando na verdade não sabem trocar nenhum pneu.

Homens são homens quando sabem montar até um carro.

Homens são homens quando têm seus medos.

Homens são homens quando se arriscam perante os desafios.

Homens são homens quando choram no momento que algo fracassa.

Homens são homens quando mantêm a cabeça no lugar.

Pai, Mãe.

Homens são homens porque vão se sentir homens, por se acharem homens como são.

E mulheres são mulheres porque vão se sentir e vão se achar mulheres.

Pai, Mãe.

Antes de serem pais,

O que vocês são?

Pai, Mãe.

Somos, antes de tudo, seres humanos, propensos a falhas.

Lembra que falei disso na última carta?

Pai, Mãe.

Penso que o objetivo comum que queremos alcançar é a nossa felicidade.

Sendo homem, sendo mulher.

Sendo quem a gente quiser.

Então Pai, Mãe:

Sejam felizes,

Sendo o que vocês quiserem.

Pois a vida é muito curta

E muito bela

Para não ser quem você quiser.