Amor Incondicional
As mãos cuidadosamente remexem a comida.
Aquelas mãos, cujos sulcos se evidenciam numa pele já sofrida pelo tempo,
preparam mais uma fonte de vida.
Mexendo o angu com certa dificuldade, uma vez
que a dor insiste em imobilizar seus membros, ela se lembra da dor.
Daquela dor que veio repentinamente e cessou
com o nascimento de sua segunda vida.
Lembrou-se com carinho do rostinho feliz daquele anjo,
cujo olhar dizia “oi, mamãe, aqui estou eu”.
Lembrou-se das dificuldades da vida; do crescimento sadio daquele anjo.
A pá de angu, alheia àqueles pensamentos,
gira feito marionete, num ritmo gostoso e silencioso
que produzem na mãe uma paz de espírito e uma certeza do dever cumprido.
O angu, o arroz e o feijão, já prontos,
repousam fumegantes sobre o fogão à lenha.
Ela, à espera do filho, cuidadosamente fecha as panelas,
como se fossem metais preciosos, protegendo-as das impurezas.
A enxada lavra aquela terra.
O ritmo daquela lida produz dores em seus braços.
A fadiga, que toma-lhe o corpo também, fá-lo pensar.
Seus pensamentos vagam à sua infância.
A enxada, também alheia àqueles pensamentos,
movimenta-se freneticamente na terra fértil,
produzindo sons que acalentam o anjo,
proporcionando-lhe uma paz de espírito e a certeza do infinito amor materno.
Ele, ansioso em reencontrar a mãe, prepara e semeia a terra,
depositando sobre ela o frescor da água
que escorre abundantemente por aquela terra santa.
“Bença, mãe!”
“Deus abençoe, meu anjo! O almoço tá pronto.”