TRESVARIANTE

Faço milagre com o pouco que ganho;

pago, repago, transporto, reponho;

no fim do mês todo ganho que ganho

retorna intacto aos cofres do Erário.

Puxo da rima, nao tenho palavras,

conto nos dedos meu resto de sonho;

penso em parar, mas não tenho coragem

não bebo vento, não janto miragem!

-Sem sossego temporário,

vida torta, desordeiro,

curandeiro de espinhaço,

falador da vida alheia,

mexerico de aleijado,

tecelão de pé de vento,

cartomante, condenado,

fugitivo do engradado.

- estava cantando, me dou por chorando;

sinto saudade, não tenho maldade;

sou diferente dos velhos de idade

corro tropeço, contorno a cidade.

Resta saber se recorro aos doutores

quando não sonho, nem canto louvores...

ora pra China, senão, meus senhores

isso é apenas um papo sem fio!

- Sai fantasma transparente

insistente, renitente;

nem parente, nem tenente

deprimente, aderente;

protetor de catacumba,

velador de necrotério;

orador de cemitério,

macumbeiro verdadeiro!

- Burro de rédeas, cachorro de rico

criança loura corada de fome;

sal sem salina, feijão sem cozinha

beijo de noiva, calvície ou ruína;

morte sem dono, sem chão, sem velado

barco sem vela, solteiro casado;

caixa sem saldo, boné de soldado

rezo de mais, de repente me calo.

- Tua imagem repelente

me transfere além da mente;

me oferece mais repulsa

sinto-me mais tresvariante;

se recobro minha luz

recorro à minha pujança

mando tudo pras braganças

continuo a minha andança

continuo a minha dança.

- Um malandro sem cartucho,

um ladrão de caramujos;

comprador que escolhe o custo

vendedor de prata suja;

puxador de canto rouco

carpideiro, aventureiro;

enrolado, escurraçado,

mau, trapilho, dromedário.

- Recolho o lápis à ponta da língua

traço um linha de ponta de esquina

nem tanto curva, nem tanto retinha

rimo sem rima nem eiras, nem beiras;

palavras soltas que dizem asneiras

estas besteiras não chegam a ser tanto,

bem condizentes com meu desencanto,

rodo girando, não giro rodando!

-Esmoler de pé de igreja

cantador de versos prantos,

violeiro, pai de santo,

mentiroso sem tamanho

perdigueiro, moribundo,

sonhador de pesadelos,

zelador de sepulturas,

bruxo morto, amortalhado!

- Na sua massa cinzenta confio

sua cabeça precisa de caldo:

sopa de cobra, tutano e rescaldos

seu peito inchado precisa de pano:

véu de beata, biquini ou engano;

conto de fada, cavalo de estória,

branco esquisito de fina memória,

casa de barro, botão de sacola!

- Vestiário de donzelas

cobrador sem ministério

verdadeiro indecente

deus dos falsos dirigentes

exploradores da gente

sugador do suor vertente

sem herança sem parente

ficou pobre de repente!

- Tento, não posso parar meu embalo

quanto mais vejo meu olho arregalo

chega de chega, de vejo e não olho...

chega de espirros e gritos baratos

xará, não sei, até logo mais tarde

de tanto conto estou tonto no canto

de pé remonto o meu monte de espanto

paro, se não, vou perder meu mencontro.

Zecar
Enviado por Zecar em 25/05/2005
Reeditado em 12/07/2005
Código do texto: T19559