Retorno a São Carlos: Somnium noctis solstitialis (Canto II)

Foi em meados de dezembro

(Pouco antes do Natal!)

Que em meu Grand Tour resolvi

Colocar um ponto final.

Celebrar o aniversário

De Jesus Nosso Senhor

Em meio aos conterrâneos

É sempre muito melhor.

Em minha terra de palmeiras

Onde canta o sabiá

(E o Sol, durante esta estação,

Faz um calor de escaldar)

Fui chegar só à noitinha –

A morna estagnação

Do ar de fato comprovava

A chegada do verão.

As ruas eram desertas;

Eu andava apressado

Ansiando por minha cama,

Pois sentia-me cansado

E queria em meu próprio quarto

Poder dormir finalmente –

Nele pensava saudoso

Quando escutei, de repente,

Passos lentos, sorrateiros,

A seguir-me; em meu peito

O coração enregelou-se

Ante tal ato tão suspeito!

Não acredito em fantasmas,

Tampouco em aparições –

Sou racional! O que temo

É uma emboscada de ladrões!

Corri rua abaixo, a mala

Atrás de mim arrastando,

Enquanto ouvia os passos

Mais e mais se aproximando,

Quando senti uma mão

Que rudemente me agarrou;

Congelei na mesma hora!

O biltre me alcançou!

Na escuridão da noite,

Em meio às sombras oculto,

Esquivo e ameaçador

Assemelhava-se a um vulto.

Em sua mão direita, um enorme

Punhal envergava;

Sob o luar, sua lâmina

Prateada rebrilhava.

Apontando-o a mim,

Disse-me depois de rir:

“Tenho-te em minhas mãos!

Não há para onde fugir!

Assim sendo, dê-me tudo

O que tens de valioso,

Ou irei encomendá-lo

Ao Criador – ou ao Tinhoso!”

Admito que não tenho

Muito respeito à vida;

Não foram poucas as vezes

Em que quase a vi perdida,

Mas não podia morrer

Em meu país recém-chegado!

Nada tinha de valor

Para deixá-lo aplacado!

Tiritando de pavor

Quase ante ele ajoelhei-me –

Num tom de voz suplicante

Lesto a ele expliquei-me:

“Perdes tempo, meu amigo,

Se queres me assaltar!

Lhe asseguro que não tenho

Nada de bom a te dar;

Nesta mala só há roupas,

Livros e uma papelada

Que até vale em fantasias,

Mas em dinheiro? Que nada!

Minhas únicas riquezas,

As carrego na veneta –

Pois não passo de um simples

(E nem lá tão bom) poeta.”

Então deixei que a mala abrisse,

Esperando que comprovasse

Meu relato por si só

E que a vida me poupasse.

Li-lhe até um ou dois poemas,

Que ouviu interessado;

“Quanta sorte!”, pensei eu.

“É um ladrão culto e letrado!”

Quando terminei de ler,

Disse-me ele com compaixão:

“Muito mais do que a minha,

Ingrata é tua profissão.

Quando sinto fome roubo –

E nisto não vejo problema.

Mas quem pode o apetite

Saciar com um poema?

Dou-te isto de presente!

Precisas mais do que eu!”,

Concluiu, e uma nota

De R$100 me ofereceu.

Logo a noite engolfou-o –

E uma vez mais sozinho,

Com a mente em polvorosa

Prossegui em meu caminho.

Rompiam a quietude

As rodas da mala a girar

E meu coração no peito

Acelerado a pulsar.

Chegara, enfim, em casa;

Minha família dormia.

“Não faz mal”, pensei, “verei-os

Assim que raiar o dia.”

Finalmente em meus domínios!

Meu quarto tão adorado

Por profanas mãos aparentava

Ter sido intocado.

Deixei a mala a um canto,

Guardei bem o meu dinheiro

E na cama me deitei

Ainda vestido por inteiro.

Por um lado mal podia

Ocultar meu contentamento:

Meu ofício concedera-me

Tamanho livramento!

Por outro, também sentia

Um quê de indignação –

Hoje em dia, um poeta

Vale menos que um ladrão…!

Entretanto, gosto muito

(E quem não gosta?) de dinheiro;

Pensando em como gastá-lo,

Caí no sono ligeiro.

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 05/10/2021
Código do texto: T7357218
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