Retorno a São Carlos: Somnium noctis solstitialis (Canto V)

Andei até deparar-me

Com meu querido e finório

Amigo de longa data,

O bom e velho Rio Gregório.

“O bom filho à casa torna!”,

Disse-lhe entusiasmado.

“Fico feliz em rever-te

Após seis anos separados!

Viajei muito e vi rios

Mais deslumbrantes do que ti,

Porém mil vezes prefiro

Aquele que temos aqui!”

E respondeu-me o rio,

Sua superfície a borbulhar:

“Ora! Macacos me mordam!

Pensei que iria secar

Antes de outra vez saudar-te,

Galaktion, o rimador!

E vejo que continuas

Um grande bajulador –

Pois quando falas comigo

Assim com tanta educação

É porque de mim esperas

Alguma inspiração!”

“Ainda conheces-me bem!”,

Exclamei-lhe a sorrir.

“Uma ou outra coisa de ti

Gostaria de inquirir;

Mas não quero que me creias

Assim tão interesseiro –

Diga-me, pois quero saber,

Como estiveste primeiro,

Durante a minha ausência.

Viste algo interessante?”

Ao que respondeu-me

Feito uma caldeira borbulhante:

“Mas que nada! Sempre imutável

Tudo permanece;

Sufocada pelo Concreto

A Natureza padece.

Deformaram-me as margens;

Estou irreconhecível!

Arrependo-me de correr

Por este lugar horrível.

Tanto é que não mais murmuro

‘Mimosas orações’

Aos pés desta cidade; apenas

Lhe dedico maldições!

Precisavas tê-lo visto…

Em fins do ano passado

Deu-me um ‘não sei o quê’

E espumava de tão zangado;

Tamanho era meu ódio,

Até os limites me enchi!

Tudo que me obstruía

O caminho destruí!

…Em verdade, gosto muito

Da chegada do verão,

E a cada ano anseio

Por esta bela estação,

Pois chove a cântaros sempre,

E a chuva me auxilia

Em meus planos – sabes?

De meu pesar ela compartilha!

Cai a chuva, eu transbordo –

Casas, lojas destruímos –

Todos gritam de pavor

E nós cantamos e sorrimos!

E, assim, sigo a cada ano

Tentando, por fim, lavar

Os pecados desta cidade

E minha vingança selar,

Lembrando a todo mundo

Que há na vida uma certeza:

Tolo é aquele que tenta

Reprimir a Natureza!”

Deste modo respondi-lhe:

“Falaste tão lindamente

Que, se inundares meu lar,

Lembrarei carinhosamente

Destas tuas aflições.

Posso agora, no entanto,

Pedir-te o meu favor

Pelo qual esperava tanto?”

“Certamente; o que queres?

Peça – que o receberá!

Este meu desabafo

O mau humor veio a aliviar.”

“Se é assim, o que quero

De ti, ó rio onisciente,

É que revele teus arcanos

E me diga, prontamente,

Quem aqui posso (ou não)

Encontrar dentre meus amigos;

E igualmente me inteire

Acerca de meus inimigos.”

“Teu desejo é uma ordem!”,

O Gregório assim falou –

E sua superfície feito a de

Um espelho se tornou.

“Contemple bem minhas águas

E verás com nitidez;

Mas preste atenção, pois não

Repetirei-me outra vez!”

Àquelas visões assisti

Num misto de pasmo e ansioso,

E logo dividirei-as

Com meu leitor curioso.

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 11/10/2021
Código do texto: T7361381
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