"Em fim o Desembotamento Afetivo" Descrição fiel da sessão terapêutica de encerramento com a paciente S. M. com diagnostico de esquizofrenia:Uma experiência que foi muito além dos relatos verbais.

Chegou o momento...

Sabíamos que isto aconteceria. Mas a contra transferência nesta hora vêm mesmo contra a nossa vontade.

É hora de dizer que tempo acabou. Simples assim, e fácil de raciocinar. Mas não é tão simples para quem perdeu a razão por não conseguir dar conta dela. E não penses tu, que é mais fácil para quem a tem.

Cantas conosco uma canção lembrando-nos como o Existencialismo é rico e provando-nos como uma Ocupação pode ser Terapêutica.

Pedimos que te lembres do primeiro encontro que tivemos.

Sim! Lembraste! Como isto nos deixa feliz! Disseste que lhe explicamos a nossa função.

Nossa! Agora é hora de explicarmos que ela acabou.

Pedimos que te lembres também de tudo que passou, de tudo que falamos.

Disseste que falamos de muitas coisas...E para nossa surpresa e alegria disseste que fizemos muitas coisas boas.

Mas como assim? Dissestes que algo foi bom? Logo tu que não falas em nada que remeta ao prazer? Pedimos: Podes ser mais clara por favor?

Surpreende-nos de novo dizendo que te recordas de conversarmos, de cantarmos e de sairmos andando sobre rodas para fora dos seus (e dos nossos) limites (referindo-se ao atendimento extra-campo que fizemos). Sim, o fizemos! Numa atitude ousada que nos proporcionou observarmos simples rodas se transformarem em asas num vôo em busca da dignidade, da aceitação e do afeto. Arrependimento? Nenhum!!!

Ficamos perplexos... Não tendes consciência do tempo e do espaço, mas, em meio a este caos: sim, lá estamos nós. E justo hoje viemos a ter esta certeza... Justo hoje que é a décima segunda sessão.

Resolvemos não postergar o rompimento. Escute-nos: É nossa hora de ir. Mas queremos que saibas que gostamos muito de ti.

Oh! Que crueldade! Dissestes que é mentira que não lhe queremos bem de verdade. É claro! Podemos entender, pois é mesmo paradoxal. Se lhe queremos bem porque temos que deixa-la? Difícil explicar, mas claro que tentamos...

Justificamos que é pelo tempo. É porque o nosso já passou...Que besteira! Não compreendes o passar do tempo, muito menos o que ele trás como conseqüência. Mas nossa obrigação é lhe explicar.

E tendes uma crise. Ali bem na nossa frente. Delirastes, balbuciastes, alterastes teu semblante. Nós compreendemos a tua luta. É o teu jeito de dizer que não dá conta deste rompimento. Já nem queres mais lembrar de nós.

Mas numa última tentativa de ajudar-te, dizemos que gostamos de ti. Continuas a delirar e dizer que negas acreditas em nós.

Sim! Nós gostamos de ti! Cada um de nós três gosta de ti! Você é alguém especial e pode gostar das pessoas. Tu responde-nos que não sabes amar a ninguém, que tu jamais amaria, pois não és capaz de amar e nem de ser amada.

Negamos isto. Tu és sim capaz de amar assim como nós. E Nós gostamos de ti como és! E todos aqui no seu lar também gostam de ti. Negaste sem receio. Disseste que onde moras ninguém te ama. Que ninguém te quer bem. Mas te dizemos que nós gostamos de ti! Recebes isto como um soco. Mas repetimos. E desta vez em coro: Nós gostamos de ti! Nós gostamos de ti! Nós gostamos de ti! Nós gostamos de ti! Nós gostamos de ti! Cada um de nós três aqui gosta de ti!

Ficaste perdida. Parece que receber amor lhe dói. Sim o prazer lhe dói. Ha anos tu não deves sentir este amor.

Pedimos que repitas isto para si mesma.

Sim, receosa repetiste apontando o primeiro de nós (Eduardo): Tu gostas de mim por bem. E apontas para o segundo de nós (Danúbia): Tu também gostas de mim por bem. E apontas para o terceiro de nós (Aline): Tu também gostas de mim por bem.

Que bom! Sabes que lhe queremos bem e mesmo com dificuldade aceitas este amor. Nos damos por satisfeitos.

E tu, que sentes? Perguntamos como no automático...Sem esperança de resposta. Já havíamos chegado a pontos semelhantes antes sempre com o mesmo resultado: nenhuma menção ao prazer. Era pedir demais...

Mas a corrente foi quebrada!

Arrepiamo-nos quando disseste com todo o gozo possível a frase: “-Eu também gosto de todos vocês por bem”.

Entreolhamo-nos: Meu Deus, obrigado! Agradecemos em silêncio.

A missão foi cumprida.

Enfim, se é que é possível um “Desembotamento” afetivo!

Não estás lúcida, tampouco curada.

Mas em meio a sua loucura descobristes que tens sim direito e a capacidade de amar e ser amada.

Sabemos que nos perderemos em meio a suas fantasias.

... Não tendes consciência do tempo e do espaço, mas, em meio a este caos que é a sua mente temos a certeza de que : Sim nós estivemos e estaremos lá!!!