ESCREVA EM MEU CORPO

"Doa-se corpo lívido" Escreveu a moça em sua décima sétima primavera gelada. Frase descompensada, coisa de quem resolveu levantar da poltrona para atirar-se vendada de um abismo e deu de cara com a porta trancafiada.

- 16:00 h da tarde de um dia frio, mas não chuvoso.

Aqueles dias com cheiro de óleo queimado nas saudosas lembranças impuras. Em um ônibus mais vazio que seu coração, os pneus trepidavam obrigando que equilibrasse seu medo na ponta dos dedos tão frios quanto a boca do seu estômago. O coração freou junto ao ônibus que já a cuspia pela cidade, cidade essa que estava sendo ignorada pelas pessoas que dirigiam seus carro olhando, mas não vendo a natureza morta que aquele novembro oferecia. Num súbito desejo a moça enfiou a mão na terra para aquecer os dedos.

Seu vestidinho preto com sapatinhos vermelhos não escondiam a fome de tudo, que sentia sua alma, só um homem muito morto não entenderia seus olhos e seu vestido que ao passar das horas alongava.

- 20:00 h Uma chuva fina e renitente invadia o quarto pela janela mais escancarada que as pernas do perispírito daquela moça, cheiro de terra, céu preto, cama pequena, uma cadeira rente à janela suspensa por muito chão vazio e quadrado e a vitrola assassinava o silêncio. Os pés desnudos já não queriam habitar os sapatinhos vermelhos, ela pejorava os ombros, e o vestido que crescia já encurtava a cada gole de vinho barato. O corpo que não se jogava, estava caído no abismo dos olhos de Dionísio. As mãos do vento levavam pouco a pouco um pedaço do seu medo envolto no pano do vestido.

Em carne inerte, escrevia paulatinamente suas primeiras palavras com a triste sobriedade de um ginógrafo que realiza o desejo de uma moça, inorganicamente. Quanto a ela...Ela desatinava! Abria os poros encarando a noite encaixilhada pela janela.

Às 24:00 h... O fogo comia o papel, a fumaça soprava os ponteiros e as palavras engoliam a moça...

ROSA

RosaLeonor
Enviado por RosaLeonor em 04/11/2009
Reeditado em 30/01/2010
Código do texto: T1904554
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