Monólogo


Sou o medo. Habito todas as células
Das minhas entranhas e reentrâncias
Na falta de oxigênio das minhas moléculas
Dissolvo a vida nas minhas substâncias

Sou o veneno do meu sangue
Caminhando pelo meu sistema linfático
Alterando minha osmose com uma falange
Contamino meu metabolismo hepático

Sou o enfraquecimento dos meus ossos na fibra
Na osteoporose avançada e quebradiça
Uma simbiose sedentária que desequilibra
Igual pisar em areia movediça

Sou a doença dos meus órgãos
Fazendo cada um parar em sequência
Sem ter forças, ficando órfãos
Da pressão cardíaca sem frequência

Sou a insuficiência respiratória e cardíaca
Meu infarto doloroso e repentino
Derrubo meu corpo na base ilíaca
Sem que consiga avisar meu destino

Sou o coma das minhas células nervosas
Trazendo-me a vida vegetativa
O acidente vascular com ações desastrosas
Inibindo meus movimentos de vida ativa

Sou o câncer da minha tristeza
Pedindo a quimioterapia
Do meu perdão na certeza
Psicossomática da minha alma fria

Sou o envelhecimento, meus sanguessugas
Do meu cansaço e dos meus cabelos brancos
Moldando minha face e minhas rugas
Até que minha esclerose me leve aos prantos

Digo-me tudo isso, para não me iludir
Ninguém está livre tão fácil assim
Pois todos tem o dia e a hora de partir
Sem choro, nem vela, eu decido meu fim

No fim, eu olharei o meu cansaço
Em decomposição pelo mundo animal
Não apego no meu corpo, minha alma abraço
Caso contrário, conhecerei o umbral

Onde há gritos e ranger de dentes
Desejando os vícios mundanos
Nas dores dos devaneios decorrentes
Sofrem pelo mundo dos humanos

Sou a noite dos meus olhos fechados
Sou o eco da minha voz no jazigo
Sou a putrefação por todos os lados
Sou a morte da vida que persigo

Meu epitáfio: "Antes morto do que vivo"