Desconsagração

De tanto querer multiplicar-me

Reduzi-me a mim mesmo;

E agora sou assim;

Um tudo, quase nada

Imcompleto e absurdo.

Falo-me da minha própria boca,

Ouço-me ouvir coisas esparsas

Que junto como pérolas esquivas.

Arrisco-me ser assim, ou não ser.

Eis a quetão.

Defloro-me o tempo que for preciso,

Da virgindade de renascer.

Me esqueço quando me lembro

E as lembranças sempre

Desapontam a direção;

Quanto mais chego-me a mim,

Mais me perco.

Mas o que é se perder senão

Notar-se ausente e dar-se

A chance de se encontrar?

De todos os futuros que me lembro

E que no presente são passados,

O agora é o mais sutil.

Isso tudo é, dada as efmérides

Que nunca passam,

Coisas fugazes

Que jorram eternamente.

Eu, do meu lado,

Quando sou atropelado pelas palavras

É porque paro; pois, quem corre

Fica parado, onde todos correm.

Quando existo, quase desisto

Descubro que isso é uma loucura.

Mas, quando desisto,

Logo volto a existir.

Porque só o louco existe de fato

O resto vive a tentar dominá-lo,

Prendê-lo ou entendê-lo.

Todas as manhãs o espelho

Me olha desconfiado, faz caretas,

Mostra os dentes não tão alvos

e uma ruga nova mostra

Quantos cabelos ficam por aí;

Mas não caem, vão para o chão

Anônimos, desacreditados,

Se ninguém os viu cair, não caíram.

Mas quando tudo isso passar

A não ser mais as coisas que eu sou...

É que o futuro jamais chegará

E o espaço vazio do existir será exato,

Infinitamente irreconhecível

Em minha face morena.

Já me estarei cansando de

Tentar recopiar-me

Com a simplicidade de uma

Singela borboleta;

Verei-me num monstro

Desconsagrado E anti-heróico

De uma estória descontada

Pois ninguém a contou.

E se existir algum deus

Que me queira refazer

Que me refaça o mesmo,

Ou seja, Aquele que eu quis sempre ser

E nunca fui e, é claro,

Com isso ninguém contava.

carlinhos matogrosso
Enviado por carlinhos matogrosso em 05/04/2011
Reeditado em 25/09/2011
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