PONTE SOBRE O TEMPO
Um vento levíssimo
Enverga as hastes que sustentam o silencio
A brisa sutil, intermitente, corria, despenteando a relva
Ao longe uma garça se exibe alvejando a tarde,
Um balé em câmera lenta
Suas asas se esgarçam sobre a realidade submersa do dia
As horas são vagarosas e patinam no lodo escorregadio das pedras
Nos galhos do mamoeiro, uma salamandra descuidada cochila
Sua pele da mesma cor do galho a faz despercebida,
Meus olhos, antes tão perfurantes
Agora são faróis enfraquecidos nas vidraças da vida,
Testemunham o simétrico fluir do tempo
Nos passos assimétricos da natureza
Tudo segue seu curso predeterminado,
O dia avança, fechando as pálpebras do dia, suavemente
Abre-se a entrada da noite sem rumo
Como uma mariposa descuidada
Como se alguém fechasse de repente as cortinas do quarto
E assoprasse a luz da vela sobre o aparador
A noite é sempre misteriosa, ela ocupa seu espaço
Sem explicações nem olhos,
Eu sinto seu hálito e seu beijo, nos planos do meu rosto
Não é um beijo de amor é um beijo de quem já me conhece
E apenas me saúda
Enquanto o tempo escorre...
La fora, os vaga-lumes, estas pequenas estrelas faiscantes
Que evocam na brevidade do seu brilho,
O despedaçar dos sonhos,
Riscam inutilmente de luz,
As paredes escuras da minha alma!