Cotidiano de um senhor com mais de cinquenta
Ontem cheguei em casa
Estava suado feito um jegue
Não conseguia dormir
Preocupado com as dívidas
A gerente do banco negou o empréstimo
Pela segunda vez sem explicação
Porém tudo são pequenos problemas
Que a gente enfrenta todo dia
Então fechei os olhos e sonhei
Ontem cheguei em casa
Subi as escadas devagar
Carregava um peso maior que uma geladeira
Abri a porta sem vontade
Senti-me no meio de uma onda
Sendo empurrado pelo mar
Esfregando a cara no fundo
Cuspindo água e vômito
Deitei e dormi
Ontem cheguei em casa
Mas queria ficar na rua
Bebendo uma cerveja
Batendo papo com conhecidos
Afinal era sexta-feira
Porém me disseram que sou classe média
Que sonho em ser burguesia
Tem gente que reprova
E acha tudo que faço heresia
Ontem cheguei em casa
Cheguei cedo como sempre eu faço
Não falei com ninguém
Estava desgostoso com Deus
Todo dia cavo um buraco
Esquentei a comida no microondas
Fiquei vendo televisão
Até a hora que deu vontade
De fechar os olhos
Ontem cheguei em casa
Lavei a mão na cozinha
Comi qualquer coisa que estava na mesa
Deixei o prato sujo na pia
Bebi um copo de coca-cola
Sentei na sala com a teve ligada
Fechei os olhos com a luz acesa
Depois acordei de madrugada
Tirei a roupa e deitei
Ontem cheguei em casa
Faço parte de uma história sem graça
Trabalhador não tem direito ao paraíso
Sou homem sem esperança
Amaldiçoado desde criança
Caçado pelos demônios
Enfeitiçado pelas bruxas
Desprezado pela sorte
Deitei que nem cachorro e não rezei