Elogio da loucura
I – A loucura da morte
Vim para conhecer todas as dores
dissabores impregnados até na alegria
“a dama empurrada ao penhasco”
Enquanto vivo me preparo pra sepultura
não do corpo, mas de mim;
(que não pertenço corpo, talvez pensamento;
ou uma moldura expectante na parede)
Não quero missas, nem sobras de elogios
que a sincera realidade seja vulto discreto,
pois não quero mais àquilo que mereço.
Não temo que minha pressa em executar
tudo que julgo missão
à necessidade do que me convém
seja, também, uma antecipação do
tempo/espaço que me foi cedido
sem premissas ou consultas...
Não pode ser (in) fatal o tal destino!
Infelizes somos nós, quando ainda não morremos
e aqui vagando cegamente
inventamos vícios, riscos e alergias
fingindo falta de tempo, quando na verdade,
estamos desesperados pra preenchê-lo
(ainda que não percebamos).
Não perecemos por escolha,
somos apenas conduzidos, impotentes
velando os poços da mocidade
afinal, o que é que há depois?
senão o desaparecimento e adubo
O que há depois, senão o silêncio da liberdade?
ou uma triste desesperança?
o jovem Werther não remediou
nem ponderou o assunto.
e eu, aceito a condição.
Preparo-me pra descansar,
por precaução adianto os abraços
e ainda deixo aos descansados, os textos,
Podem ser doces ou venenos,
Por que tudo é mesmo relativo.
(o que parece não o é),
Terra e água são os elementos
Aí a chave do mistério de toda mistura:
A dualidade é pura de opostos em complemento.
II- A loucura surreal
(sonho, fé, tempo e amor)
Quantos sonhos trazem a realidade de outrora!
enquanto durmo, não descansam esses “ontens”
servindo-me de esperança à premonição
passeio da alma à experiência subconsciente (?)
então vivo em déjà vu. Longe dos sonhos;
nostálgicas lembranças de uma tarde boa
refletindo os mais simples contatos
as sugestões surgiam e agora
sugerem que tão melhor são as lembranças
do que aquilo que se viveu.
Deus está em todos os lugares?
liquefaz-se em chuva?
- O céu denso deixa o tempo leve
uma orquestra de pássaros e o balançar sincronizado
das plantas me faz questionar -
Quem é Deus? Quem sou eu?
(as dúvidas da minha infância não amadureceram...)
A chuva finalmente cai imponente
com toda razão de o ser
sem o menor esforço de parecer real.
O tempo se arrasta na impossibilidade de prever
amanhã; como lentos passam longos anos?
Se ao cumprir os sonhos, estaremos velhos?
Se longe do passado, nada há que mudar?
mas ainda sei o que virá:
depois que descarrilar o trem
sobre as telhas molhadas, o vinho quente
peço que alguém me ajude a voar.
Entre a queda e a ascensão, hei de esquecer a dor
se sobrar dor;
Pois realidade é como uma fotografia
estática, fiel a ela mesma
acessível apenas ao ângulo do observador
entre o suspiro e comoção, hei de conhecer
Deus. hei de saber do tempo
se houver espaço, se caber tempo...
e principalmente, hei de tocar o amor.
se houver amor...
III- A loucura do mundo
Verdade que me tornei mais insegura
O mundo que antes enfrentava;
juntou-se à Igreja na santa,
insegura e paranoica inquisição
servindo-me à guerra, sob ameaça
de queimar meus papéis, e usar todos
à submissão dos dias futuros
forçando-me a crê na compensação terrena.
Verdade que ainda me tornei oculta
Parte pra examinar a culpa
Parte pra me tornar necessária
Admito que me fiz insensata
quando decretei insanidade ao mundo
As fases da lua, os ciclos e a bipolaridade
Os signos, exercícios e uma boa dieta
depois, claro, da consulta nutricional
afinal, somos aquilo que comemos;
O azeite às vezes bem combina...
Na ostra o prazer cruel da “antropofagia”
um filtro de impurezas, mas há uma ferida
tão bela quanto cicatrizada ‘pérola’
Uma formiga descansa sobre os documentos
estas folhas arrancadas estrondosamente
sem que ouvíssemos um ruído sequer
mas é meio domingo, primeiro dia oco
ativando a circularidade da vida
mata as vontades sem qualquer adorno,
o fim da felicidade para o tédio morno.
Que mundo preto e branco!
como enlanguescido o feijão de minha mãe
sem vontade de ser comido
A minha própria casa é carente de abrigo
E permanecemos na gaiola do regresso,
Quem se importa? Se amanhã morta,
Seca, não pisco os olhos, não ouço voz alguma,
por isso, peço que abram as gaiolas
e deixem que os peixes nadem infinitamente
as portas não precisam de proteção
mas a mente sim!
Esta deve fluir instintivamente.
IV- A loucura da arte
- Envolver-se com a arte é viver outra vida dentro de sua própria vida.
A arte é o impulso que compõe vida,
mas também a doença incurável
acompanhada de dor, desespero e tédio.
podendo muitas vezes ser fatal.
Poesia é uma doença no cérebro
Agonia de alma e um corpo preso
ao grito interno, sem força pra liberta-se.
Porém, tem uma vontade própria
de se modelar, um senso peculiar de condução.
E como qualquer vida, às vezes
Dom Quixote conduz o regozijo do céu
e na maioria dos momentos,
a queda do cavalo induz ao fardo.
Outras, no entanto, Virgílio mostra o inferno
Enquanto Dante funde as dimensões
E faz das trevas o paraíso, transmitindo as emoções
Desmentindo as razões de conduta
do potencial ‘coerência’...
Emanando perfeita vivacidade
Invadindo a privacidade de cada qual que cria
Expondo a ficar-se escondido atrás dos retratos
Feito Magritte, aguçado de sentidos
Toca tão profundamente minha alma
Quanto o corpo da mãe boiando
às suas vistas, e tantas outras vistas
ainda que distorcidas, a perfeição!
Despencando do céu sereno
A realidade estratégica da vida.
Enquanto o escritor nasce na ruína
despencando nas linhas que cria
e medida do fardo conciliável ao vício:
contornando tinta e desenho nas palavras
a apoteose melodia traz
o segredo inviolável doutros tempos
invencível criatura de terrível doçura
inventa as lembranças mais sutis
acalenta as paixões e coleciona dos caixões
as rosas mais belas, mais vivas...
V- A loucura dos outros
“A loucura é um simples desarranjo, uma simples contradição no interior da razão, que continua presente” - Hegel.
A subserviência são os males
da civilização em busca de progresso
Mas é o próprio mundo que deveria perguntar
O segredo de seu status enigmático.
Busca-se um sanatório, sendo homossexual,
sado masoquista, posso melhor conhecer
da filosofia nietzschiana, conviver
com as palavras e as coisas...
Foucault, porém, pouco mudava...
Para Hegel a loucura não seria
a perda abstrata da razão:
A loucura deixou de ser o oposto
à razão ou sua ausência,
tornando possível pensá-la como "dentro do sujeito"
possuidora de uma lógica própria.
como pertinente e necessária
humano é quem tem a virtualidade da loucura,
pois a razão só se realizaria através dela.
A loucura era falha da natureza,
castigo ou dádiva dos deuses
Era ainda, privação da verdade e
exacerbação da vontade. A casa verde
bem podia ser em Barbacena
Simão Bacamarte fazendo de Itaguaí
A Casa de Orates. Duas prisões
uma realidade própria de Machado
O não-eu em nível de descrição,
Ironia sobre a natureza humana
e desencontros do mundo.
Criatividade seria doença mental?
Hitler lutou por uma ideologia absurda
Albert Einstein, Beethoven, da Vinci
Isaac Newton queria provar “o apocalipse”
através do livro de Daniel.
Nostradamus praticava alquimia
em “as profecias” trouxe versos codificados
que seria previsão do futuro.
E o mundo permaneceu cruel
Allan Poe, Van Gogh, Platão
e Santo Dumont ainda me espanta!
como pode voar o avião?
VI- A loucura da loucura
(depoimentos pessoais aleatórios – o que é a loucura?)
É quando os mosquitinhos da minha mente
resolvem falar ao mesmo tempo
cruzando no sangue, trocando as ideias
emanando nos atos, a euforia.
É tentar mecanizar os fatos
controlando demais o pensamento.
Fazer sempre o mesmo, esperando o diferente
Não sei, mas as reações emocionais são intensas
São as drogas, excesso de dinheiro.
Loucura é a subversão da realidade
(embora pra mim, seja ela própria)
Os loucos morrem na realidade,
enquanto nela vivem...
É a incapacidade de localizar-se
impossibilidade de ultrapassar o instante
no qual está enclausurado no tempo e espaço
O que contrapõe o considerado pelos normais
o inverso da sociedade, leis e normas;
Porque somos todos tão normais
que a loucura não passa de um reflexo
natural do organismo, uma defesa,
uma mania. Mas nunca uma doença
todos cometemos, mas nem todos o são
Ao são cabe um divã pra se tratar
ao outro, porém, a paciência e piedade
não há nada que reprima ou sustente
não há regras; é esse estado de alma,
entre o fim de tudo e o começo de nada.
É a liberdade exarcebada da vontade
(os loucos são os livres!)
O ser homem não muda com a loucura
insanidade mental está ligada ao abandono
Loucura é a chuva, é o sol, é a lua
mas também as invenções humanas.
É viver sem o amor, depois de conhecê-lo
é a visão de um lugar incomum
É o ócio, quando penso em me matar
Loucura é o íntimo de cada um.
VII- A loucura da vida
A vida é um punhado de terra,
onde a solidão se apresenta
em sua mais sólida transparência.
Como se pode explicar a normalidade
se na verdade, não controlamos nada?
Felicidade nada mais é que a esperança de tê-la
concretizado o fato feliz, felicidade morre.
Com a esperança, renasce.
O sofrimento ou esgotamento da alma
é um limpador dos olhos e consequente
purificador interno, calmante para o coração
Quando perdemos alguém que amamos
fortemente, a reação gera a ação interior
Passa-se à nova fase, o ontem
fica longe, uma ponte imensa e quebrada
impossível de alcançar;
Os primeiros meses são descompromissados
claros, chatos e pouco contemplativos
Junho chuva!infância de estranha alegria.
Agosto carregado, setembro belo
chega uma fase em que todos
estão estranhamente mais emotivos
as conversas mais sensíveis
Como se o sentimento os unisse por uma corda
uma vez rebentada, todos caem
neste momento o mais simples olhar
faz toda a diferença.
E pensar que a lucidez só está em mim
ainda assim, se atrapalha e se confunde...
A psicopatologia indica a insanidade
são sempre fantasmas os responsáveis
por nos sentirmos bem?
A vida é mais estranha que a morte
e a morte mais pontual que a vida
se enfrento o mundo é por que
as especulações não valerão nada mais
Os laivos não escapam de ninguém
Porque a maior loucura é mesmo viver.