ESPELHO
Quando olho no espelho,
certa dúvida me atinge:
distorço eu o que vejo
ou o reflexo que finge?
Falo assim por não querer
o meu ser subjugar...
(o ponto que me norteia
não norteia o de lá?)
Mesmo quando a luz acendo,
me vem uma coisa escura
que some feito duende
diante da armadura;
se acredito que pra cada
coisa há uma primeira vez,
considero que haja a ultima
raspa de sensatez;
ouvindo portas que rangem,
pisando pratos que quebram,
sombras passam, vultos correm,
fantasmas nunca segregam:
pela greta da janela
a inocente beldade
me fita mirando nela
meu arsenal de vaidades;
ou será mesmo cortina
o que insisto em realizar
como se fosse a menina
insone a me admirar?
Subindo e descendo vou-me
degraus em grau de martírio;
derrapada, medo e queda
me sangram o supercílio;
agora estou na cozinha
com medo da geladeira
que fecha e abre (sozinha)
dia adentro e noite inteira;
vou de vão em vão passando,
me recobra um velho cisco
a me incomodar os olhos,
abertos, correndo riscos
de ficar sem a labuta;
de cair sem machucar;
de não mais ter a batuta;
de dormir sem acordar;
de andar mordendo correntes,
os dentes sempre piores;
minha solidão insiste
em chamar de "pormenores';
mas voltei ao velho espelho
e estava escrito em nanquim:
"sou eu que finjo pra ele
ou ele é quem finge pra mim?"