A chegada da primavera
A noite é fria. Tenho medo e procuro desesperadamente alguém para conversar. Tudo que quero é a morte da coisa.
Eu a vi quando era ainda só uma fagulha. Observei os sinais e tão cedo os enumerei. Advertência que não emprestei consequência. Palavra por palavra, gesto por gesto, deixei entrar aquilo que me dirigia.
Ainda assim, ainda mais imponente era o limite. Era fácil retroceder ao entrar em contato com o outro lado, o intolerável. Pus então toda a segurança nisso.
Estou seguro. Posso entrar e sair no mar de fogo sem me queimar. É precisamente essa a vida que desejo, nesse intervalo doloroso de uma vida desapropriada do amor.
Mas a aventura (nem tão) perigosa foi condenada prematuramente. Um vacilo, um dente. Dois vacilos, vou em frente.
Mas a partida está próxima, e nunca mais se ouvirá falar nisso. Se o tempo escorre pelas mãos, por que negar um último mergulho?
Presença e surpresa. Ali estava, debaixo do véu, a chegada da primavera. Semeou em meu corpo a flor da chegada. A flor que fura o a terra, o asfalto e o chão.
Longe da vida e do tempo, num espaço todo nosso, o sentimento confrontado. Um com o outro. Um no outro. Um para o outro.
Corpo, calor, desejo. Afago, carinho, um beijo.
Nessa noite desci de novo ao mar de fogo e, inadvertidamente seguro em minha fé no limite, me vi sair em chamas. A forma da chama era a de sua ironia: era lágrima.
Campos verdes, vento soproso. Calor na alma, céu azul. É ele, o amor. Palavra engasgada e mal digerida. Só disse o seu nome quando prestes a dormir: te amo.
Mas insone é o seu contrário. Frio na espinha, tremor na alma, medo: isso ainda vai doer muito.
Dói agora.