Ousadia

Como ousas tu, chegar assim?

Invadindo tudo dentro de mim

Como se fosse um importante alguém

Que em tuas garras me mantém como refém,

Prisioneira de meu próprio medo;

Sarcástico e angustiante medo.

Como ousas tu, tomar-me assim?

Dando-me esperanças de algum fim

Que virá rápido e rasteiro,

Enquanto mais uma vez espero

Uma inclemente resolução

Para este agonizante desespero.

Como ousas tu, tocar-me assim?

Constante e indiferente clarim

Que acorda-me toda vez que acho forças

Pra enfim soltar-me deste invólucro sombrio,

Que puxa-me ao meu lado mais mau e frio,

Que atormenta-me em todos os pesadelos.

Como ousas tu, viver assim?

Sempre tão perto de mim,

Sussurrando coisas sem sentido,

Sentimentos mortos e doloridos

Declamados ao pé do ouvido,

Que mutilam-me e envolvem-me.

Mas tu, inconseqüente,

Continuas a ousar assim?

És minha carne, meu sangue, minha alma,

Perseguidor e molestante trauma;

Não há porque continuar com isto,

És meu pior e mais desconcertante castigo,

Da forma como tenho pensado e agido

Não percebeste que já estás em mim?

Pára! Leva-me contigo! Dê um fim!

E então, pare de ousar assim!