Abstração

Ainda não parei de chorar pelas madrugadas

Estar sentada e de repente lembrar que nada flui,

Nada encaixa-se como no passado.

O sabor das recordações não é mais doce como outrora,

Quando a certeza de te ter aqui em breve era acompanhada

Pelo conforto de que surgirias pra mim e comigo ficarias por tempos

Tudo por vontade própria e a desenvoltura da saudade.

Hoje a realidade é amarga e lacerante; enfia-se em minha mente,

Lateja como que pra ter-me sob aviso de um caos instaurado,

Cravado pra sempre neste meu viver.

O meu dia é vazio e eu obtenho sucesso em fingir,

Disfarçar que tenho paciência e estou cicatrizada,

Que não me prendo a abstratos pensamentos de submissão,

Sentimentos auto-destrutivos que ainda habitam meu interior

E provocam cansaço extremo e uma decepção crescente.

O que eu quero, não posso ter e o pior é saber que nunca mais terei;

Não me refiro à tua pessoa ou a qualquer ato carnal,

Mas sim aos momentos de intimidade, pura felicidade,

De contentamento e segurança que me aconchegaram

Por tempo o bastante para que eu não queira mais nada, além disto.

Pego-me imaginando fugas, um sono de mil anos, a morte,

Tudo pra tentar ajeitar o rombo que margeou o meu redor,

Que me mantém alarmada e temerosa de cair por não enxergar o fundo,

Não ver o final do abismo que se expande a cada contato contigo,

Cada palavra esquematizada por ti pra me manter aqui inerte,

Sem saber como agir e proceder com a vida, por ainda sorver a tua atenção.

A sádica aqui não sou eu: És tu quem faz o papel do Marquês,

Enquanto eu desenvolvo o Conde, o Masoch travestido de mulher

A me deixar exposta como alvo de qualquer bote que pretendas,

Condescendente com a tua vontade de me marcar definitivamente.

Juro que muito tentei livrar-me desta situação, mas como posso

Se inconscientemente prendo-me a esperanças levianas de que

“Os dias virão e tudo irá se ajeitar da melhor forma. Como deve ser.”?

Mas não, os dias passam e eu me deparo apenas com a irritante incerteza,

A vontade de sair em disparada até ti e te gritar tudo o que me engasga,

Fazer tu ouvires cada sílaba do que penso, do que me irrita nesta tua figura,

Tua pose a qual eu sei que é planejada, que quando precisa, recorre a mim pra

Inflar o teu ego, te dar a segurança de um amor que terás a vida inteira,

Que eu alimentarei com os fragmentos destas tuas aproximações felinas,

Tuas frases com “eu te amo” tão convincentes, mas traídas pelos teus atos.

Tu não me amas de verdade e quando declaras que me amas sim,

Isto torna-se uma ofensa profunda e não uma felicidade;

Tu não tens o direito de utilizar estas palavras, elas tornam-se veneno

Quando proferidas por ti, elas deturpam-se quando escapam desta tua boca,

Porque quem ama não faz o que fizeste, quem ama necessita presença,

Quem ama mantém-se perto, quem ama agrada e quem ama não vive sem!

Morro de ódio depois que te escuto assim ardiloso; tuas intenções são claras

Por mais que afirmes que não fazes nada contra tua própria vontade...

Mas é óbvio! Tua vontade é de possuir os meus pensamentos pra sempre,

Usar-me ao teu bel prazer até te cansares, sumires e precisares novamente.

O amor é transcendental e implica em admiração, adoração,

Vontades de toques, cheiros, olhares. Dá sensação de preenchimento,

Como que se as necessidades de ar e alimento fossem ínfimas se comparadas

Com a da presença do objeto amado. Sente-se que se pode viver penas

Para o outro; a protegê-lo, mimá-lo, acarinhá-lo, simplesmente observá-lo.

Eu experiencio tudo isto e justamente por este fato me desespero:

Como vou viver, se eu seria capaz de trocar meu ar por ti?

Se eu seria capaz de fitar o teu sono por noites inteiras ininterruptamente?

Se eu estou consciente de que tu és o meu complemento?

De que tu vais morar aqui dentro de mim, a minha vida inteira?

O amor é inconfundível e quando ele aparece, não restam dúvidas.

É como eu te disse quando me perguntastes: não deixei de te amar,

Apenas aprendi a viver sem ti, acostumei à idéia de que o que um dia

Existiu não vai mais retornar, não há a oportunidade de reconstrução.

Este constante nó em minha garganta denuncia a citação repentina

No livro* que descansou em minha cabeceira alguns dias:

“A esperança e a amargura... são parecidas.” Realmente o são,

Pois nem uma, nem outra traz segurança de um futuro palpável,

Apenas a noção de momentos angustiantes ainda por vir:

A esperança por fazer esperar e a amargura por fazer sofrer.

E assim te escrevo, ignorando a questão de tu me mereces ou não.

De nada me importa, não quero ser motivo de orgulho ou prêmio;

Tu és o bastante e a selva de teus defeitos é onde estou disposta a me perder,

Independente do que as cartas** mostrem, do que os outros digam,

Do que eu mesma sei. Tu és quem eu idolatro, quem me fascina; o único.

E isto toma conta de mim a ponto de ser pedaço de minha carne,

A ponto de eu te dedicar poemas, te dedicar lágrimas, te dedicar minhas horas.

Tornei-me abstrata, antagônica; racional e desvairada, paciente e desesperada,

Risonha e lacrimosa, amorosa e odiosa, admirável e deplorável.

E és a causa absoluta de tudo... Por isto mereces meu amor.

__________

* O livro a que me refiro é “Dois Irmãos” de Milton Hatoum. A frase é citada por Zana na página 28 da terceira reimpressão da editora Companhia de Bolso, 2006.

** Eu jogo cartas de Tarot.

Espero que este poema sirva de resposta à Joanna que comentou o “Conheces ‘Sonho de uma Noite de Verão?’”. Deixe remetente para contato da próxima vez. E muito obrigada por me ler e por todas as tuas palavras.