Meu dia de natal!

Meu dia de natal, memória indefinida

de um tempo que passou definitivamente.

Há tantos anos foi! E nem guardei na mente

aquele meu momento acontecendo vida...

De quem me acarinhou em sonho de promessa,

p'ra sempre a dor da perda, em mim, chorada vive.

Memória do que fui! Apenas sobrevive

o neutro Tempo, em sua inexorável pressa...

Meu dia de natal! O mês de Julho ardia!

Em tempo de nascer, morria-se em Espanha!

Granada está de luto. Em lágrimas se banha.

Mataron Federico-Embrujo y Poesía!

É meio-dia! A luz, esplêndida, encandeia!

Vestida de brancura e letargia, a vila,

à sombra do temor da delação, vacila

nos versos da canção-recusa que semeia...

O verbo clandestino assombra o povo triste.

Dali, de Badajoz, os ventos do martírio

apagam num altar pagão o livre círio...

e nada mais que dor na mártir terra existe!

É meio-dia! A vida aconteceu! Bem-vindo!

Em horas de aflição, eu vim para render

eu outro que morreu e prosseguir e ser

mais um dos que amanhã p'la vida irão caindo!

5 de Junho de 2006.,Viana do Alentejo * Évora * Portugal

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Federico García Lorca nasceu em 5 de Junho de 1898, em Fuente Vaqueros, aldeia próxima de Granada. O poeta já fora procurado em sua casa pelas autoridades nacionalistas que impunham o terror em Granada. Foi preso pelos franquistas na tarde de 16 de Agosto de 1936 e fuzilado na madrugada de 18 seguinte, num campo dos arredores de Granada. O seu corpo nunca foi encontrado.

(Do prólogo de José Bento à Antologia Poética de Lorca publicada pela Relógio D'Água.)

José Augusto de Carvalho
Enviado por José Augusto de Carvalho em 06/06/2006
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