PENDRAGON & PLUS

PENDRAGON I (23 mar 11)

Jade e Arthur encaram fixamente

o olho artificial da objetiva,

sob o sol de verão, foto emotiva,

sem cuidar que destino se apresente...

Sobre o galho do hibisco, em dia quente,

da buganvílea em proteção furtiva,

eternizada em foto a hora esquiva,

cada qual teve sua sina diferente.

Jade sumiu e morreu, provavelmente;

Arthur cresceu e regiamente existe;

o hibisco torto permanece assim;

a buganvílea foi cortada rente...

E apesar de sua expressão tão triste,

a melhor dita de Arthur foi, enfim.

PENDRAGON II

Jade e Arthur sobre o sofá da sala,

ambos de persa etnia e ainda filhotes.

Jade se deita, sem quaisquer fricotes,

o olhar ingênuo de Arthur vê e cala.

Ao fundo, uma almofada mostra a gala

de um caracol de cuja concha os dotes

foram trocados por alados motes

(ou de ave estilizada assim se fala).

Nunca se soube, de fato, qual o fado

que teve Jade após o seu sumiço;

o olhar ingênuo de Arthur se perdeu,

mas transformou-se em príncipe encantado,

de boa índole e formoso viço,

castrado embora no acidente que sofreu.

PENDRAGON III

Foi, na verdade, maldade de um vizinho.

Quem foi, nunca se soube, mas queimou

os seus testículos com um ferro em brasa,

emasculando assim o pobrezinho...

Quase morreu o pobre do bichinho,

pois quando finalmente se o encontrou,

no pátio além dos fundos desta casa,

até bicheira tinha o coitadinho!...

Custou a se curar, mas ficou forte,

foi bem tratado na veterinária,

mas já perdeu dos olhos a confiança,

depois do golpe dessa dura sorte,

desferido dessa forma atrabiliária,

perdendo de uma prole a esperança.

MARANDUVÁS I (2008)

Eu acho tão estranha a estranha ânsia

que têm toda essa gente em publicar,

sem auto-crítica, palavras a espalhar,

tanta coisa sem valor, só manigância...

Sua vida dá a impressão que dependia

de ser lembrada por sentenças cegas,

que acabarão espalhadas nas macegas,

servindo a um fim que não se pretendia...

Assim a vida humana... Quanto é vã

essa passagem transitória, essa folia:

dormir, beber, comer, depois lavar-se...

Apenas repetindo a folgazã

rotina inútil, que nos devora em ironia,

nessa lavagem dos dias a apagar-se...

MARANDUVÁS II

Também os dias que passam lavo eu;

não sou melhor... Em idêntica folia

me encontro assim: é mansa minha histeria.

Diariamente caminho, qual judeu

errante, pela senda da poesia,

tantas vezes obscura como breu,

ao invés de buscar o lado teu,

em que feliz decerto mais seria...

Não é orgulho que me leva a isto:

são os deuses que ao sendeiro me conduzem

e um desses deuses se chama Desengano.

E é por isso que caminho e não desisto,

por essa praia coberta de salsugem,

a que converge todo o destino humano.

MARANDUVÁS III

Mas ainda não me importa publicar.

Se for preciso, isso acontecerá,

maugrado meu. O verso ao deus-dará

tenho lançado, sem mais me preocupar.

Por aí se enraízam, devagar;

o pão lançado às águas volverá;

a semente em terra fértil crescerá

e só me afano a muito mais criar.

Sou árvore, afinal, pois lanço pólen

aos ares, às abelhas, pelo chão

(espero, ao menos, que sirva de alimento),

porque essas catadupas muito dolem

e, às vezes, sinto branco o coração,

todo esvaído em descontentamento.

METAMORFOSE INVERSA I (25 mar 11)

Sou fantasma de ti. Vivo em teu sonho

e para a vida apenas passaporte

me podes conceder, na estranha sorte

de um rosto amargurado em véu risonho.

Sou fantasma de ti. Somente ponho

toda a minha vida nessa estranha morte

e quando acordas, cancela-se meu porte

e me recolho em ti, ainda tristonho.

Por saber que me tens inteiramente,

Mas nada tenho de ti. És livre toda,

enquanto imaginado sou completo,

correspondendo à ânsia tua, premente.

Guardado no teu peito e nessa roda

me envolves, sem mostrares grande afeto.

METAMORFOSE INVERSA II

Fantasma de um fantasma, sob o teto

eu vivo, sem saber que já morri;

sem saber nem sequer quando nasci,

externamente ao fantasiar secreto

de teus sonhos... Às vezes, ganho afeto,

outras parece que nem sequer estou aqui;

morri em outubro, quiçá permaneci,

fantasmagórico e não-nascido feto.

Teus olhos me contemplam, avaliando,

ou me parecem só fitarem a parede

que se ergue atrás de mim. Sinto-me rede

ou peneira transparente, suspirando,

em tal exalação quase inaudível,

por condensar-me como um ser visível.

METAMORFOSE INVERSA III

E nessa sensação que não me avista

a mulher que me criou em devaneio,

eu permaneço inerte, de permeio

a tal manifestação solipsista...

Porém, em seus instantes de conquista,

ela me olha, enfim, e mostra o seio,

com os mamilos inchados e assim creio

que em minha realidade então insista.

Pois me toma nos braços, faz amor

e a escuto gemendo, em seu orgasmo,

nesse momento de gozo universal.

E só então me percebo, sem rancor,

no turbilhão de meu imenso pasmo,

que me tornei, por momentos, material.

deuses temporários i (27 mar 11)

em meu sonho, o mundo se dissolve,

abandonado pela gravidade:

lanço cordas à lua e minha cidade,

juntamente com a atmosfera que a envolve,

é sustentada íntegra e revolve

pelo espaço sideral, em opacidade,

enquanto a terra, na autenticidade

fragmentada, em rotação se volve.

quanta tolice escrevo diariamente!

riscas de sangue escorrendo pela mão

e já duvido que seja inspiração,

porém obsessão, inteiramente,

a me enroscar nas dobras de um padrão

NESSE HISTOGRAMA SUTIL DA compulsão.

deuses temporários ii

em meu sonho, o acordar é permanente,

muito mais claro que durante o dia.

é mais difícil nutrir a fantasia

quando a exigência diária é mais premente.

tenho cidades a que vou frequente,

mil pessoas com quem vivo em harmonia

muito bem nos conhecemos; a elegia

é que, no instante da lucidez nascente,

recordo ainda os rostos, mas os nomes

minha memória inteira menoscaba,

pois não são rostos que encontre no presente,

talvez criados somente por minhas fomes,

JÁ QUE sabemos que na vida tudo acaba,

porém vivemos qual se fORA permanente.

DEUSES TEMPORÁRIOS III

VAIDADES E ILUSÕES MOSTRAM APENAS

DO ORGULHO HUMANO SUA INUTILIDADE.

TUDO QUANTO OBTEMOS, NA VERDADE,

DESAPARECE DE SÚBITO, QUANDO AS CENAS

DAS PEÇAS QUE MONTAMOS, ÀS DEZENAS,

SÃO ENCERRADAS COM FINALIDADE,

NO TROAR DAS PALMAS DA MORTALIDADE:

O PANO CAI E FICAM AS ALFENAS,

QUE OUTROS ATORES LOGO EMPREGARÃO,

EM TEMPORÁRIO BRILHO FLUORESCENTE:

CASULOS INCONSCIENTES NESSAS TEIAS,

QUE CEDO OU TARDE, TAMBÉM SE ROMPERÃO

E RESTA APENAS A CARCASSA IRIDESCENTE

DA PORTENTOSA MORTE DAS BALEIAS.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 09/07/2011
Código do texto: T3084193
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